“Na medida em que…cada ruptura radical do presente, em relação ao passado, se torna ausência manifesta de qualquer ordem capaz de sobrepujar o caótico poder do devir – o tempo não é só espaço da futura realização do possível, mas também o irromper de algo…‘totalmente novo‘…cuja efetivação – inversamente – recria a sua própria possibilidade.” (Quentin Meillassoux – “Potentiality and Virtuality”)
Quentin Meillassoux…filósofo e professor da ‘Universidade de Paris’ tem ganho notoriedade por suas ideias originais aditadas ao panorama do…“realismo especulativo“…atual movimento filosófico, que representa um “contraponto” às fortes influências da…”filosofia pós-kantiana“.
Aluno de Alain Badiou — ele propõe a inclusão da filosofia matemática…no campo ontológico, na busca de retirar o ‘privilégio humano’ sobre o real – em uma crítica à… “filosofia idealista”; objetivando a um tipo de “realismo“…imerso na livre moldura da “filosofia contemporânea”.
Em seu livro “Après la Finitude” (2008) Meillassoux elabora um trabalho especulativo em oposição ao… “correlacionismo” — nome dado por ele próprio à abordagem filosófica que teve início em Kant, sendo posteriormente desenvolvida por Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, e definida pelo autor como…“emblemática insuficiência em lidar com vários temas metafísicos…a cerca dos quais a nossa ‘filosofia contemporânea‘ cada vez mais se depara”.
O “modelo correlacionista” Envoltos num fundamento fenomenológico pautado na inseparabilidade entre mente e mundo, grandes mestres da filosofia, mesmo quando tratam de se afastar do idealismo, não conseguem fugir à essencial ‘finitude‘ que se inclui na discussão sobre a correlação pensamento/ser – e, por conseguinte… em sua inegável refutação da ideia de ‘absoluto’.
Um dos elementos na proposta de Meillassoux que mais chama a atenção é sua ‘leitura ousada’ da…“filosofia contemporânea” – como uma filosofia alheia aos desafios de seu tempo. O paradigma correlacionista não seria alvo de tão dura crítica, se estivesse em condições de propor soluções para grandes questões da atualidade — mas… parece confortável ao apontar a materialidade da correlação “pensamento/ser” a cada vez que uma questão sobre o mundo é lançada… como se o “correlacionismo” dissesse que… “é ingênuo questionar o mundo…pois a cognoscibilidade se define pelas regras do saber”.
Foi Kant quem instaurou, para a consciência e linguagem, a “correlação“ como uma abordagem fundamentalmente crítica. – Até então, o ‘problema do ser’ tratava-se do problema da substância, era pré-crítico, mas a partir daí…torna-se um “problema de correlação”, o que afasta de certo modo o interesse pelo que está fora dela…Contudo, paradoxalmente, a “abordagem correlacionista“…consegue se aproximar ao externo, na medida em que se está consciente de algo – ou seja…“conhecer…é conhecer algo”.
(A tirar pelas recentes conquistas na ‘física quântica’ — a ciência avança até em questões filosóficas, propondo soluções aos limites do Universo).
O foco do “correlacionismo“ está no modo como um A… se aproxima de um B – mesmo que esse B seja essencialmente inacessível… A questão não mais diz respeito ao “acessar algo”, mas sim…ao “como” se pode acessar esse algo, tendo em vista que essa relação é o que permite qualquer mudança de “estado cognitivo”. – A partir daí…Meillassoux indica um problema ao ‘correlacionismo’ – que se exemplifica na questão da ‘ancestralidade‘: Assim como os fósseis indicam a existência de matéria primitiva (‘ancestral’), como uma realidade anterior à… ‘percepção humana’… a questão filosófica da “ancestralidade”… se identificaria na questão de: ‘sob quais condições pode ser relevante uma tal abordagem’?
Segundo Meillassoux, só há 2 abordagens possíveis…a ‘transcendental’ (Kant) — e uma abordagem…’especulativa’ (seja “metafísica”…ou não).
Do ponto de vista transcendental correlacionista, o real ancestral é produto de um ‘evento atual’ que se refere…a um “passado virtual“. Mas, segundo Meillassoux…ao se referir a um…”passado virtual” anterior à…”mente humana” – o “correlacionismo”… se contradiz; pois do seu ‘ponto de vista’…sem ninguém para “contar a história”, tudo se reduz à matemática…e o real é a mediação atual de dados.
Então, o que se faz é uma afirmação atual sobre um concernente real ausente (passado). Todavia, o ausente (desprovido de pensamento) é o que o ‘correlacionismo’, por princípio, não pode admitir. Logo… por tal perspectiva…é inadmissível a interpretação da afirmação ancestral – e a atribuição do filósofo, nesse caso, consiste apenas em adicionar um tipo de conhecimento que impõe uma “correlação mínima” na afirmação científica. — Quer dizer: Não haveria meios de assegurar a materialidade do real… além de sua correlação possível.
O objetivo de Meillassoux é justamente questionar o que a filosofia moderna nos tem dito nos 2 últimos séculos…que há uma ‘impossibilidade real‘ em sair de si…para tocar a coisa em si (ou melhor… para saber o que há – quer quando somos … quer quando não somos).
Kant e a filosofia transcendental “O ‘idealismo transcendental’ teve por objetivo justificar a possibilidade do conhecimento científico no século 18, partindo da constatação de que, ambos, racionalismo e empirismo eram insuficientes em explicá-lo. Kant argumentou que — apesar do conhecimento se dar pela experiência, a esta são impostas formas a priori, características da cognição humana”. (Fernando Lang da Silveira)
A filosofia transcendental afirma que a condição de ciência consiste em revogar todo o ‘conhecimento não-correlacional‘; taxando o realismo como aparente, derivado, ingênuo e natural. Pela ‘revolução crítica’ de Kant…os objetos se conformam ao nosso conhecimento, promovendo a morte da metafísica em nome da ciência. E aqui há uma falha fundamental, foi ignorado o aspecto mais revolucionário do saber científico – seu caráter “especulativo”. Daí então surge o “paradoxo transcendentalista“, na medida em que se enxerga uma coisa fora da ‘correlação’…sem a possibilidade de atingi-la. É como se o pensamento fosse capaz de ultrapassar seus próprios limites – mas, ao mesmo tempo…devesse se restringir ao que lhe foi dado… — não indo além (O que permanece ‘obscuro’ … é o porquê dessa limitação.)
O filósofo dos dias de hoje…evita indagar a respeito do real – porque sua comunicação… e o tempo em si, apenas têm sentido…na medida em que forem fenômenos do tipo “sempre-agora”…(pressuposto na relação humana com o mundo)… e – nesse sentido… o mundo só teria sentido se fosse pensável. – Contudo, nesse particular… a questão da ‘ancestralidade’ permanece incompleta. — Como conceber um tempo em que o sujeito…como tal, passa de um estado de não-ser para o ser?…Ou ainda, como a ‘anterioridade do ser’ pode se revelar (na correlação)?…Uma reformulação especulativa para resolver esse “paradoxo kantiano“ pode ser exposta em 2 indagações para a questão… “Como a matematização da ciência da natureza é possível?”: 1ª) o que é matematicamente concebível é absolutamente possível? 2ª) a estabilidade das leis naturais…se deve a um tipo de propriedade temporal absoluta?
Uma “contingência absoluta”? Meillassoux sugere que o ceticismo agnóstico dos que duvidam da realidade da causa e efeito, deve se transformar numa certeza radical…de que não há tal necessidade causal. Isto o leva a afirmar que é imprescindível que as ‘leis da natureza’ sejam “contingentes”.
A partir dessa questão, Meillassoux desenvolve o 2º argumento … sob a sombra de um problema metafísico, supostamente – superado por Kant, através da ‘especulação’…O autor defende a ideia…que se deve buscar um “absoluto”…algo que independa da nossa consciência…uma vez que, só assim… se pode “dar conta” – da “questão…da…ancestralidade“.
A tarefa consiste, portanto … em tentar entender como pode o pensamento ser capaz de acessar o ‘incorrelato’…quer dizer, um mundo capaz de subsistir sem ter sido percebido. Mas, isto significa dizer…’apenas‘… que devemos entender como o pensamento é capaz de acessar um absoluto, cuja atividade de independência seja tal – que se apresente a si mesmo como não relativo a nós – mas, ainda assim, capaz de existir…existamos ou não.
“O espaço não é um conceito empírico…retirado de experiências externas, nem pode ser visto como um conceito discursivo da relação das coisas em geral; ao contrário…é uma representação necessária a priori, que serve de fundamento às demais intuições…Uma ‘intuição pura’ – sobre a qual se funda a certeza evidente e necessária dos princípios geométricos — e a possibilidade sintética de sua própria construção.” (Immanuel Kant — “Crítica da Razão Pura”)
Para Kant: “a coisa em si é incognoscível — apesar de pensável”. Mas… como, mesmo não conhecendo o absoluto, posso pensá-lo – por isso… a coisa em si deveria existir. Portanto, mesmo em Kant a coisa em si é ‘não contraditória‘ … em sua ‘existência autônoma‘. Partindo daí… Meillassoux acrescenta que – no trato da “questão da origem” (por que existe algo…ao invés do nada?) é necessário ter-se uma abordagem oposta ao… “princípio da razão suficiente“. – Ao ‘estilo cartesiano’…o autor busca então, estabelecer a existência de um…”absoluto primário“, para em seguida, derivar daí o seu…’alcance absoluto‘. Mas, para seguir nessa direção… – sem o risco de um retorno à…”metafísica ingênua” – é preciso que aquela “visão absolutista” fique no passado. Para Meillassoux, deve-se buscar a necessidade absoluta, sem se recorrer a algo absolutamente necessário … um ‘absoluto’, sem a ajuda de uma entidade absoluta…Dessa maneira, o ‘pensamento especulativo’, que almeja empiricamente a “forma do absoluto”, não se confunde com o ‘pensamento metafísico’ — o qual… “dogmaticamente”… — almeja alcançar o… “ente absoluto“.
Da abordagem metafísica apenas é útil a tese de que existe algo, mesmo quando não há ‘pensamento consciente’ em sua direção… Nesse sentido, Meillassoux defende a tese de que há uma ‘contingência absoluta’. Dito de outro modo, a renúncia contemporânea do absoluto, corresponde a uma primazia da correlação. — Se o correlacionismo insiste na materialidade das formas relacionais, tal materialidade evidencia a nossa incapacidade de “falar do impossível“. Encontrar essa incapacidade é marcar uma ausência de razão dos fatos e suas invariâncias. E a partir daí o que Meillassoux defende é a possibilidade de que todas as hipóteses para a ‘coisa em si’ também permaneçam igualmente válidas.
A Contingência… e o ‘Princípio Surreal’ Afirmar a impossibilidade real do impensável seria como demarcar, “dogmaticamente”, um terreno particular para se erigir uma filosofia.
Para dialogar com o correlacionismo Meillassoux elabora um método…bastante fiel à sua proposta; o “cogito correlacionista”: método para acessar o absoluto – através de uma “função de correlação” entre pensamento e ser – extraindo daí verdades especulativas…por um “consenso intersubjetivo”. Para isso — Meillassoux assume 3 ideias básicas:
- se o “ancestral” é pensável – então um ‘absoluto’… deve ser pensável também;
- o ‘absoluto’ que se procura não pode ser dogmático…(desqualificando-se todo argumento que pretenda estabelecer a absoluta necessidade de uma entidade)
- deve-se superar o círculo correlacionista (segundo o qual, pensar um absoluto é pensar um absoluto para nós, e portanto — não é pensar… ‘absoluto algum’)
O “correlacionismo“ … enfatizando apenas a ‘materialidade’ da correlação entre pensamento e ser … nos diz que, não havendo outra condição possível, podemos apenas acessar o ‘para nós‘…nunca o ‘em si’. O problema que Meillassoux então nos coloca, é que o ‘impensável‘ apenas sugere a nossa efêmera incapacidade de pensar de outro modo…mas não significando uma absoluta impossibilidade das coisas serem de forma diferente. Desse modo, tal “materialidade da correlação”, colocada de volta às coisas mesmas, revelar-se-ia como ‘conhecimento absoluto’.
A “falta de razão” revela uma propriedade do ‘ente’ – uma limitação sua…e representa do absoluto, no máximo…uma ausência de lei. – Isto é…a ‘materialidade’ é uma propriedade real…pela qual tudo é desprovido de razão… Neste sentido, diz Meillassoux…“o ‘surreal’ é uma propriedade ontológica fundamental”. Para o autor, a materialidade não se associa à necessidade da mesma forma que com a contingência. Esta é absoluta, a necessidade não. Há aqui uma absolutização da capacidade de se tornar outro…A própria diferença entre o “em si” e o “para nós” mostra um absoluto, pois algo sem razão não pode ser atribuído ao pensamento. – Meillassoux, porém… recoloca o conceito de absoluto como um problema filosófico… e propõe uma abordagem especulativa (não metafísica) – para dar conta dele. Declara assim a verdade absoluta do “princípio surreal“: “Não há qualquer razão para algo ser do jeito que é”…caracterizando um ‘princípio absoluto‘…sem ‘entidade absoluta‘.
Deixar de ser…é uma possibilidade absoluta (‘ontológica’). Não posso pensar que a morte dependa do meu pensamento. Isso seria o mesmo que dizer…que só posso morrer depois que eu pensar a morte. – Mas, minha morte – não precisa do…”meu pensamento” – para acontecer.
A contingência necessária Nós somos efêmeros, mas o ‘absoluto’, como possibilidade, é uma contingência perene. Ele não é ‘razão’ – mas, ao contrário… uma necessária possibilidade de ‘representação’.
Parece absurdo afirmar que, não apenas as coisas, mas também as ‘leis da física’ sejam ‘contingentes‘ – pois… se esse fosse o caso, teríamos de admitir, que tais leis poderiam mudar a qualquer momento, sem qualquer razão. – Todavia, é possível confirmar que as leis da natureza realmente poderiam mudar; não só em concordância com alguma “lei superior oculta“… — mas… sem apresentar qualquer tipo de causa — ou motivo aparente.
Apesar de improvável, nosso universo se estabiliza como resultado de um nº gigantesco de…’emergências caóticas’. – Dessa forma, o próprio ‘acaso’ pode ser matematicamente mensurado, podendo evoluir … para se tornar um princípio (caótico) de lei física. Mas a questão essencial segue sem resposta: Quais condições à expressa estabilidade do caos?
Hume havia detetado uma falácia no princípio da razão suficiente, tendo denunciado que tal princípio não era absoluto. Kant, por sua vez, se propôs a esclarecer o engano da objetividade de um “conhecimento matemático da natureza”…pela inútil tentativa de dar à física uma fundamentação metafísica, e na renúncia a todo ‘absoluto teórico’. Dada a proposta de repensar o problema da “contingência“…Meillassoux relembra então – a questão de Hume…a respeito da “continuidade da regularidade do mundo”:
“A partir das mesmas causas, pode-se esperar os mesmos efeitos?” … ou; “qual nosso êxito em demonstrar a necessidade de uma conexão causal?”
O problema da causalidade (em Hume) vale tanto para as leis determinísticas quanto para as probabilísticas; e a questão ressurge, num caráter ainda mais absoluto. – O que garante que as leis da física, como tais, continuarão valendo no futuro?…ou, melhor dizendo… – O verdadeiro problema de Hume – não é sobre a validade futura de nossas teorias…mas sim, sobre a estabilidade futura da natureza, em si mesma. Neste ponto, o problema ultrapassa o alcance da física…cujas condições são validadas, pela incessante repetição experimental. A questão aqui, não diz respeito aos experimentos…e sim, às ‘condições de recorrência’…e poderia ser colocada do seguinte modo: Podemos provar que a ‘ciência experimental’ hoje possível, será possível amanhã?…As respostas são: a metafísica, a cética, a transcendental.
A abordagem metafísica pretende dar conta do problema…invocando a existência de um ‘princípio supremo‘ que governa o mundo, garantido pela eternidade de uma perfeição divina. Por outro lado a proposta cética (de Hume) diz respeito a uma dupla articulação entre a ideia de ‘não-contradição’, e a ideia de ‘hábito’…como um modo de fixar crenças, e como uma tendência humana ‘não racional‘…de atribuir alguma “necessidade”…às leis. Já a resposta transcendental (kantiana)…baseia-se na materialidade da ‘representação’, para declarar que a “necessidade causal“…é uma condição necessária para a existência de uma “consciência“. – É assim como se Kant dissesse a Hume…“Você não pode me pedir para provar a existência de…leis naturais e causalidades – quando o que estou fazendo…é justamente, partir do pressuposto que…‘causalidades são postulados‘, para as regras do entendimento serem…da forma que são – de maneira a me permitir conhecer tais leis”.
Nem a resposta metafísica, nem a cética, nem a transcendental, coloca em dúvida a ‘necessidade causal’. Se bem que o ceticismo chega à ideia de que a razão é incapaz de firmar nossa crença na necessidade (assumida real).
Mas essa tal descrença na apreensão da necessidade pelo raciocínio…diz respeito apenas aos limites da razão…e da nossa tendência em substituir o “juízo racional” por um “juízo sensível” – justo quando a estabilidade aparente do…”mundo físico” nos incentiva a crer nos hábitos e experiências acumulados ao longo do tempo de vida. Nesse caso…o “ponto de vista cético” acaba por se mostrar o mais paradoxal – pois…ao mesmo tempo em que admite uma insuficiência do ‘princípio da razão‘…para com suas pretensões ontológicas, também acredita em uma “necessidade real“ (sem apresentar qualquer motivo para tal).
Todavia…se a necessidade de uma “conexão causal” entre eventos não pode ser validada, tal conexão é simplesmente desprovida de necessidade. Assim…a questão não mais deve ser…‘como explicar a suposta necessidade das leis’… mas… ‘como explicar a estabilidade manifesta das leis…as tendo tomado como contingentes’?… – Para isso… podemos dizer que tanto Kant quanto Hume acreditam na ‘necessidade causal‘…pois a contingência implicaria na transformação constante da realidade… A necessidade está assim provada, dada a imensamente improvável estabilidade das leis da natureza – e…do mesmo modo, à inconcebível consciência de um sujeito – capaz de auferir cientificamente sua duração.
Se o absoluto é a pura ausência de necessidade…então o princípio da razão suficiente é equivocado. E não havendo razão alguma para a existência ser como é… com tudo podendo vir a ser de outro modo — sem qualquer razão aparente. – Nesse caso, então… a única necessidade – é a… “contingência”.
Acaso…contingência…e a “matematização da natureza“ A possibilidade de diferentes infinitos (uns maiores que outros) pode ser um fator de distinção entre ‘contingência’ e ‘acaso’.
Ao se esquivar do ‘absoluto’…o pensamento de Meillassoux visa resolver um ‘mal-estar’ da filosofia contemporânea. Propondo solução para tal … arrisca um novo mergulho no cerne da “metafísica” – buscando conceitos…como – o “real”…o “ser” – e uma ‘correlação casual factual’ que possa questionar o “problemático” ponto de vista de um “absoluto” – cada vez mais distante do inibido ‘escopo atual da filosofia‘…Assim, ao resgatar a questão de Hume (sobre liberdade e necessidade), e somando uma…“visão matemática“ sobre o conceito de ‘transfinito‘…o autor enfatiza a diferença semântica entre “acaso”…e “contingência“…para manter a finalidade aleatória da ‘pura possibilidade’, como cerne da ideia de contingência. É esse… “conceito circunstancial” (então reavaliado por Meillassoux) … o responsável por conciliar a materialidade da…”correlação” — com uma falha na inevitável… “necessidade”.
O acaso… – no sentido de sorte, jogo, chance – diz respeito a um “raciocínio probabilístico” passível de cálculo por “técnicas matemáticas”. Para que este raciocínio…a priori…seja válido, deve ser “pensável”… — em termos de uma ‘totalidade numérica’… E, deste modo, o conceito de “acaso“…se aplica – aos efeitos de uma “lógica probabilística“.
Mas, se ao contrário, não há motivos para associar o “concebível” ao “totalizável” então há espaço para um…”princípio de variação“…não quantificável. – Aí…nesse caso, o termo contingência diz respeito a algo — que simplesmente acontece … sem causa, ou possível previsibilidade…ao invés do jogo, onde tudo, até o improvável é previsto. – O contingente continua matemático, mas bem próximo do conceito de ‘transfinito‘, sendo, deste modo, incalculável e imprevisível (tal como “flutuações de vácuo”!…). A matemática atinge a “qualidade primária” das coisas…em oposição às “qualidades secundárias”, manifestas na ‘percepção’. – Assim, todo ‘matematizável‘ é absolutamente possível; e sua existência não dependente do ser, pois um ‘absoluto‘ não se reduz a um mero ‘correlato do pensamento’.
Desde Heisenberg é certo que a presença do observador afeta o observado. Porém – essa proposição é vista pelos próprios cientistas, como uma propriedade de lei, independente do observador. Aqui o importante não é o caráter realista da ciência, mas o processo que distingue a realidade, do nosso próprio ser…o “processo de matematização da natureza”. Através dele, segundo Descartes, podemos separar mundo…e homem; descentralizando o pensamento antropocêntrico, no processo de conhecimento (Kant). O que a ‘revolução copernicana‘ nos permitiu concluir, segundo Meillassoux, foi uma “revelação paradoxal” da capacidade do pensamento – em supor o que… ‘há’… – quer o mesmo exista…ou não.
Transfinito & Aleatoriedade “O que supera tudo que é finito e transfinito … é a ‘unidade simples’ – completamente individual, em que tudo está incluído, inclusive o incompreensível absoluto.” (Cantor)
Meillasoux retoma o argumento arquétipo (“ancestral”)…e sua ‘discrepância temporal‘ … entre ‘pensamento‘ e Ser… A questão inicial era… – “como a ciência é capaz de criar tal distinção?”…e agora…passa a ser…“como pode a ciência ser capaz de se utilizar dessa intangível aleatoriedade?”
Para entender melhor essa ideia, Meillassoux faz menção ao conceito de transfinito, então apresentado por Cantor, como uma “destotalização” do número. — Ou seja, considerando que o conjunto de partes de A é sempre maior que A … o conjunto das partes, do conjunto das partes de A será ainda maior. Assim, o conceito de ‘Aleph’ diz respeito à cardinalidade desses conjuntos – e sua sucessão ilimitada, assim ordenada, é o conceito de “transfinito”. Tal série não pode ser totalizada, pois não há quantidade última para ela…sendo portanto, uma ‘série infinita’. Daí resulta a conclusão de que o que é quantificável (pensável) não constitui uma totalidade. Ou seja, a totalidade (quantificável) do pensável…é impensável.
Há assim uma incerteza fundamental na ideia totalizadora do possível; isto é…“as possibilidades não são totalizáveis”, continuando abertas, já que não chegam a um fim… Desse modo, portanto, é errado estender o ‘raciocínio aleatório’, para além da totalidade dada numa experiência.
A solução correlacionista para a diacronicidade é apenas e tão somente, apelar para a reintrodução do passado no pensamento presente. A ciência por sua vez, trabalha com a ideia de temporalidade (‘causal‘) pela qual…o que vem antes, vem antes, e vem antes de nós… – Esse paradoxo nos permite então, restabelecer a possibilidade de uma realidade fora da correlação pensamento/mundo. Com efeito, para Meillassoux, as consequências do “correlacionismo” são nefastas para o método filosófico…por impedir à filosofia uma contribuição objetiva ao tornar impossível atribuir-lhe a tarefa de alcançar o significado de uma afirmação…em seu significado último. Aí então, podemos caracterizar a solução de Meillassoux para o problema de Hume, e para o problema da ‘diacronicidade’, como:
a) solução especulativa, anti-metafísica ao problema geral da ‘necessidade‘; b) solução especulativa ao problema da ‘diacronicidade‘ – sem perder seu “caráter copernicano”.
O problema final de Meillassoux, a saber…o problema da ‘diacronia‘, ressalta a fraqueza tanto da metafísica, quanto do ceticismo… e, do próprio ‘transcendentalismo‘…em questionar o ‘necessário‘…Mas, a ideia de uma ‘contingência absoluta’ resolve a questão da diacronia, divisando uma solução satisfatória e oposta ao ‘pensamento correlacionista’. Se o ‘sistema correlacionista‘ sempre resulta para o autor num…’idealismo tímido‘…o ‘sistema especulativo‘, centrado na…”contingência“…é uma tentativa de resposta ao ‘correlacionismo’. Com efeito, a solução de Meillassoux, desse modo, permite um retorno ao…”real”…que, para ele, tem características de um absoluto…’transfinito’ e ‘contingente’. “Contingência e transfinito – em Quentin Meillassoux” (Tarcísio de Sá Cardoso) ***********************************************************************************
Reflexões sobre 3 temas em Quentin Meillassoux (Tarcísio Cardoso)
1) Contingência. A ideia de hipercaos pressupõe a de contingência, entendida por Meillassoux como tudo que acontece sem ser regido pela “causalidade determinística”, por uma regra, lei, ou necessidade…‘Contingência‘ se aproxima da pura possibilidade desprovida de razão…qualidade que sequer pode ser apreendida probabilisticamente.
2) Transfinito Cantor provou que os “números racionais” não podem ser pareados com os números naturais; sendo assim… um infinito é maior que o outro.
O conceito de ‘transfinito’…tomado da teoria dos conjuntos de George Cantor… – é utilizado como metáfora para expressar o contingente hipercaos que surge no conceito de “factualidade“…Em sua teoria…”transfinito“…diz respeito a uma prova matemática contra-intuitiva da cardinalidade de conjuntos infinitos. – Na teoria dos conjuntos, o infinito aparece no conjunto…dos nºs naturais, dos nºs inteiros…dos racionais, etc. — mas, nem sempre “infinitos”…possuem o mesmo tamanho.
Na teoria de Meillassoux, a ideia de transfinito é aludida como conotando uma capacidade de coexistência, não intuitiva, entre a estabilidade do cosmo e a sua contingência essencial. Estabelecer a relação entre contingência e estabilidade é importante… pois o próprio autor sugere (no texto abaixo) que haja uma tendência natural a rejeitar a ideia de ‘factualidade’.
Como postular a existência de um “Universo caótico” em que suas aparências são fortemente regidas por leis, padrões, regularidades? E…se for “caótico”…por que os eventos não variam o tempo inteiro?
A resposta de Meillassoux é ao mesmo tempo ousada e sugestiva…O Universo parece todo regido por leis, porque a regularidade está sendo colocada em primeiro plano…Mas, estes eventos podem deixar de ser regulares…sem razão alguma… Tal como Hume, Meillassoux diria que não há garantia de que amanhã…as leis de hoje continuem válidas. – Com efeito, Hume já havia provado que não há possibilidade de se demonstrar a ‘necessidade’, mas Meillassoux vai além… – ao sugerir que não haja qualquer necessidade; excluindo-se a da “contingência”… — Ademais, sendo a escala de tempo da existência essencialmente finita; a experiência regular local é insignificante ao…“transfinito” – na contingência primordial.
3) Absoluto
A ideia de “absoluto” para Meillassoux tem íntima relação com o objetivo de um mundo não-correlacional. – Este ‘tema central’ na sua filosofia…serve para denunciar a timidez da…”filosofia correlacionista”…que, para o autor, nem sempre nega sua existência (vide Kant), mas tira-lhe a devida importância, demovendo da filosofia o ‘risco‘ de alcançá-lo.
Por um viés anticorrelacionista, Meillassoux propõe a volta ao ‘absoluto’…como algo que está além da correlação, e especula sobre um Universo fundamentalmente contingencial, imensuravelmente maior do que nossa mente…Tal noção de absoluto parece deixar claro que o ‘deslocamento antifenomenológico’ do autor…pretende colocar o cerne da filosofia, não mais na correlação ‘mente-mundo’; incluindo a especulação como um método capaz de versar sobre um mundo liberto de todo e qualquer domínio mental…apenas acessível, talvez…”intuitivamente” – por meio de algum…”materialismo especulativo”. (texto base) *********************************************************************************
A “virada especulativa” (jun/2017) “A maior parte da revolução filosófica recente, expressa pela ‘filosofia linguística’, representa uma visão de que os problemas filosóficos são problemas que poderiam ser resolvidos … (ou dissolvidos) pela ‘reforma da linguagem’… ou, por uma melhor compreensão…da linguagem que usamos presentemente”. (Richard Rorty)
A coletânea…”The Speculative Turn…continental materialism and realism”…foi publicada em 2011, reunindo ensaios…e/ou… entrevistas de diversos pensadores, entre eles Alan Badiou, Ray Brassier, Iain Hamilton Gran…John Protevi…Slavoj Zizek, Grahan Harman, Nick Srnicek, Isabelle Stangens e Bruno Latour…Gabriel Catren…Steven Shaviro, Manuel DeLanda, R. Negarestani…e Meillassoux.
Todos esses pensadores podem ser associados à chamada ‘filosofia continental‘, ramo da corrente contemporânea geralmente oposta à ‘filosofia analítica’…que privilegia o estudo da linguagem… em detrimento da ontologia. – O título do livro é uma referencia jocosa a essa separação, pois remete ao que ficou conhecido como “virada linguística” na filosofia, movimento este, que também ficou marcado pela publicação de uma coletânea de textos, organizada por Richard Rorty, intitulada… “The Linguist Turn”… – e publicada em 1966. O próprio Rorty, mais tarde, se afastaria da ‘filosofia analítica’, entre outros motivos, por desconfiar do modo como ela se propunha a definir — o que podia ou não ser visto como um ‘problema filosófico’…Ninguém, no entanto, passou incólume pela virada linguística.
A centralidade da linguagem na filosofia se estendeu também, sobretudo a partir dos anos 1960, para a ‘filosofia continental’, na forma pela qual…pela via dos estudos da linguagem, chegou-se ao que os autores do “The Speculative Turn” chamam de…“virada cultural”…no marxismo, qual seja… – “a ênfase crescente na crítica textual ou ideológica às expensas da realidade econômica” – algo que…muita gente, hoje confunde com o…”pós-modernismo”. Mas, nesse sentido, o que significa a “virada especulativa“?…Grosso modo, trata-se de uma tentativa de retorno…”às coisas mesmas”…na ontologia materialista de um realismo que não passe nem pela ingenuidade de simplesmente asseverar a existência positiva das “coisas”…fora da consciência, fora da linguagem, nem pelo solipsismo que insiste em nos dizer que tudo que podemos conhecer se resume à linguagem. — Escrita por Levi Bryant, Nick Srnick e Grahan Harman, a introdução da coletânea do “The Speculative Turn“ diz:
“Já se tornou lugar comum na filosofia ocidental…o foco no discurso, no texto, na cultura, na consciência, no poder ou nas ideias que constituem a realidade. Todavia, a despeito do propalado ‘anti-humanismo‘ de muitos dos pensadores ligados a esses temas … o que eles nos dizem… é menos uma crítica do lugar da humanidade no mundo – do que uma crítica muito menos radical do ‘sujeito cartesiano‘ autocentrado. – A humanidade permanece no centro desses trabalhos…e a realidade aparece na filosofia…apenas como um correlato do pensamento humano. Nesse sentido…tanto a fenomenologia…como o pós-estruturalismo, a desconstrução e o pós-modernismo, são todos exemplos de uma tendência antirrealista”.
Melliassoux — “Après la finitude“…”Essai sur la nécessité de la contingence”
Defendendo o direito…e a capacidade da filosofia para se interrogar acerca das ‘coisas mesmas’… e, conhece-las (por que não?) em termos absolutos, como algo existente fora da consciência humana, a ‘virada especulativa’ traz uma brisa de ar fresco para uma filosofia à beira do sufoco. — E é assim que Quentin Melliassoux através de seu trabalho: “Après la finitude… – Essai sur la nécessité de la contingence”…tem sua importância reconhecida nessa…”onda especulatória“… Na introdução da coletânea ‘The Speculative Turn’…Bryant, Srnick e Harman… mencionam assim o filósofo francês:
“A nova guinada em direção ao realismo e ao materialismo na filosofia continental sucede um longo período de algo que lembra um idealismo etéreo. Mesmo quando desdenhando da posição idealista tradicional de que tudo existe como um tipo de variação da mente ou do espírito, a filosofia continental cai numa instância igualmente antirrealista, conforme aquilo que Meillassoux denominou ‘correlacionismo’; ou seja: ‘a ideia segundo a qual nós apenas temos acesso à correlação entre ser e pensar, todavia nunca a nenhum dos termos considerados separadamente’. Essa posição tacitamente postula que podemos direcionar nosso pensamento para o ser…existir como seres-no-mundo… ou, fenomenologicamente, ter experiências do mundo – ainda que nunca possamos, consistentemente, falar de uma realidade independente do pensamento…ou linguagem. Tal doutrina…em suas variações, sustenta que o conhecimento da realidade…independente do pensamento…é inatingível”.
O “correlacionismo” emerge como uma espécie de “idealismo sutil” … e na descrição dos autores, ambíguo. Sua origem pode ser encontrada na filosofia crítica de Kant – que nos teria negado a possibilidade de conhecer qualquer realidade – sem passar pelo “filtro do humano”. Com o advento da revolução copernicana é sabido que: “Não são as ideias que se adequam às coisas, mas sim, as coisas que se conformam à mente humana”, graças às categorias e formas a priori da…’intuição‘…que constituiriam a base inescapável de todo conhecimento. – Entretanto, o preço a ser pago para garantir essa base…é a renúncia de todo o conhecimento…para além da simples maneira como as coisas aparecem para nós.
Inclinações solipsistas… e a filosofia Deleuze/Guattari Embora ainda existam questionamentos importantes sobre até que ponto Deleuze e Guattari conseguiram escapar, totalmente ao “correlacionismo”, há pouca dúvida… que seu projeto visava ir além das limitações kantianas de uma…”filosofia tradicional”.
A tendência “antirrealista” tem se manifestado de inúmeras maneiras…mas especialmente, na preocupação com temas como morte…finitude, aversão à ciência; foco na linguagem, cultura e subjetividade; uma posição antropocêntrica; o abandono da busca por…’absolutos’, rotulados por religiões; além da aquiescência em relação às condições históricas especificas onde fomos lançados. Pode-se também apontar a ênfase crescente numa…”crítica textual ideológica”.
Contra essa redução da filosofia à análise de textos… ou, de estruturas da consciência, houve uma onda recente de interesse em questões propriamente ontológicas. Deleuze foi pioneiro nesse campo … incluindo seus trabalhos escritos em co-autoria com Felix Guattari. Nesses textos seminais dos anos 1970 e 1980, Deleuze e Guattari trouxeram à tona uma “visão ontológica“ do campo do devir, com sujeito e pensamento sendo apenas produto residual desses movimentos ontológicos primários. Assim, em vez de girar em torno das limitações negativas dos sistemas conceituais…Deleuze e Guattari construíram uma…”visão ontológica positiva”… – das ruínas da ontologia tradicional.
Muitos dos pensadores vinculados à “virada especulativa”…tiveram, ou têm alguma relação com o “movimento aceleracionista“, nascido à margem, ou melhor, na fronteira entre a academia e o mundo real…Nem filosofia catedrática, nem especulação diletante, mas um misto de liberdade e método que permitiu a muitos autores…“jazzisticamente”, improvisar em torno de uma base…promovendo pesquisas interdisciplinares, reunindo pesquisadores de áreas transversas, com interesses diversos, e vontade de pensar junto.
“Arque-Fóssil” (“The Meillassoux Dictionary”) “Arque-fósseis” são arquétipos – que indicam a existência de uma realidade, ou “evento ancestral“. – São considerados como aquilo que o problema da “ancestralidade” quer provar – mas…que o “correlacionismo” não é capaz de concretizar. É empregado em “After Finitude” só para problematizar uma auto-evidência contemporânea – onde, nos limitando ao círculo correlacionista, o ‘problema da ancestralidade‘ se mostra insolúvel.
Meillasssoux procura evidenciar os limites do ‘correlacionismo’…a identidade sincrônica entre ser e pensar – e sua incapacidade em lidar com certos aspectos da ciência moderna. Para provar seu ponto de vista, o autor recorre ao exemplo do “arque-fóssil“…como meio de revelar a ‘diacronicidade’ entre ser e pensar. O ‘ancestral’, argumenta ele, é um evento que sabemos que ocorreu no passado e que podemos provar cientificamente que ocorreu no passado, antes mesmo de haver vida na terra. O “arque-fóssil”, abordado dessa forma, não é mero fenômeno que surge à consciência. Ele existia muito antes da mente humana.
É o fato do “arque-fóssil“ indicar uma lacuna da manifestação de um evento que antecede qualquer correlação, que permite a Meillassoux expor o ‘embaraço correlacionista’, diante da aparente capacidade da ciência contemporânea em pensar a natureza livre de qualquer experiência fenomenológica dele, ou “um mundo no qual a própria espaço-temporalidade emerge interior de um tempo e um espaço, que precederam toda forma de determinação”. Deste modo, Meillassoux põe em evidencia o lugar complicado em que a defesa da ciência matemática se coloca, em relação à ‘revisibilidade’ das afirmações científicas. (texto base) ******************************(texto complementar)********************************
“Realismo especulativo” (Primeiras impressões) (Revista ECO-Pós v.21 n.2/2018) Seríamos capazes de conhecer o mundo…tal como ele realmente é?… Ou o mundo não passa, de fato, de um enorme arcabouço – sobre uma construção linguística ou social?
O árduo caminho que o ‘pensamento ocidental’ vem privilegiando…desde ao menos Immanuel Kant — aponta para uma… “opção linguística”. Para ele … “as coisas em si são incognoscíveis”; de modo que (realmente) só temos certeza dos fenômenos…ou seja, como as coisas aparecem para nós… Esta pode parecer uma ideia antiga, mas vivemos, cada vez mais sob sua influência. É como uma espécie de senso comum – nunca vemos as coisas como realmente elas são, pois nunca escapamos de nossa própria ‘percepção’.
E hoje vivemos cada vez mais sob os perigos dessa estranha forma de aprisionamento. — É como se … ao tomar cuidado para não nos sobrepormos ao mundo … acabássemos falando apenas de nós mesmos…de nossas perspectivas, particularidades e preconceitos. Em 2007 quatro filósofos apresentaram trabalhos na “Universidade de Goldsmiths”, Londres, sob a chancela do que eles mesmos chamaram de “realismo especulativo”. Quentin Meillassoux, Graham Harman, Ray Brassier e Iain Hamilton Grant — por vezes…foram tidos como um grupo relativamente homogêneo, embora não se possa dizer que compartilhem uma única escola…ou movimento filosófico. – Suas obras, no entanto… comungam um mesmo ponto de vista… – a ideia de que o primado da epistemologia sobre a ontologia … que dominou a filosofia desde Kant – a aprisionou em um exame perpétuo das condições do pensamento.
Ao se oporem ao que chamam “correlacionismo” (termo criado por Meillassoux para descrever o tipo de filosofia que fundamenta todo pensamento sobre a ‘interação mútua’ entre o ser humano e o mundo) – os filósofos do… “realismo especulativo”… postulam a existência de uma realidade independente de qualquer acesso humano…negando assim a tese kantiana de que o ‘sentido do mundo‘ depende da forma como nossas mentes (ou nossas línguas, ou nossas culturas) trabalham – em conjunto … para poder estruturá-lo.
Para esses filósofos a realidade é muito mais estranha do que podemos supor. O mundo jamais está de acordo com as ideias que temos dele, não se adequando inteiramente aos nossos paradigmas cognitivos, representativos e narrativos. Não somos, nunca fomos, a única medida de todas as coisas. O próprio fato da ‘coisa em si‘ ser incognoscível, como o próprio Kant supõe, a torna adequada como objeto de ‘especulação’. Especular é fugir de nosso inveterado antropocentrismo…e considerar a sério a existência de um mundo essencialmente estrangeiro…não necessariamente humano, sem qualquer caminho pré-determinado. É uma ‘viagem ao desconhecido’, como o filósofo cultural Steven Shaviro gosta de dizer: ‘um salto para a incerteza fundamental’. Nele, os realistas especulativos empreendem um retorno renovado à…“metafísica“…recuperando autores como Alfred Whitehead e William James…investem em novas ontologias, cosmologias e estéticas, e promovem nova pauta de reflexão filosófica…na qual objetos ou entes não humanos se tornam alvo central – de questões teóricas … e investigações empíricas. (Julio Bezerra) ********************************************************************************
O “realismo especulativo” e a metafísica da subjetividade (maio/2018) O realismo especulativo extrai de seu desconforto…uma agenda…uma questão principal, e uma história épica — a agenda de superar a “era do correlato” … a questão principal de como fazê-lo…e uma história de estradas bloqueadas, que agora se abrem aos intrépidos.
O ‘Realismo especulativo‘ nasceu de um ‘desconforto‘…percebido por um estado de coisas, marcado pela impossibilidade de termos acesso…por pensamento… ou conhecimento … de alguma coisa… para além da nossa correlação com elas… ou, da maneira como estas… se apresentam.
Trata-se de um percebido desconforto — que se divide: entre uma falta de tentativa em ultrapassar a correlação… e, pelo caráter central atribuído à algo tão demasiado humano (a própria correlação); se estendendo a uma época que, aproximadamente, cobriria os últimos 2 séculos; a qual poderíamos denominar: a “era do correlato“.
O ‘realismo especulativo‘ foi pautado por uma confluência de filosofias sobre este desconforto…Quentin Meillassoux o exprimiu em sua ‘cartografia do correlato’, e sua proposta de ultrapassá-la. Ele atribuiu à Kant a elaboração do ‘correlacionismo fraco’ (a tese de que podemos pensar, mas não conhecer para além da correlação), também entendendo que a partir deste orbital outras 3 posições se articularam nessa…’era do correlato’ … o ‘correlacionismo forte’ – que estende a impossibilidade de acesso para além do conhecimento – e afirma – ser impossível pensar… para além da correlação; a ‘metafísica da objetividade‘, que rejeita por inteiro a crítica de Kant à possibilidade de se conhecer algo para além da correlação…e, a ‘metafísica da subjetividade’ — que de algum modo entende a correlação como ‘absoluta‘…sendo ela mesma, tudo aquilo que é possível de se conhecer, uma vez que… “é de correlação que a realidade é feita”.
Porém…não respondendo adequadamente aos problemas com os quais Kant tentou lidar, estas outras 3 posições são insuficientes para uma saída da ‘era do correlato’. Meillassoux entende que Kant tornou explícita, não só a inevitabilidade de lidarmos com a correlação, quando procuramos aceder à “realidades” … de algum modo independentes de nós, como também … o caráter contingente de nossa prisão em suas amarras. – Ultrapassar a era do correlato, para Meillassoux – não significa negar as premissas do “correlacionismo fraco”, nem intensificá-las em direção a um “correlacionismo forte“; mas encontrar um modo de aprender as lições de Kant — e, ainda assim ultrapassar… o que o correlacionismo que ele inaugurou permite… Aprender essas lições significa levar em conta a correlação como um fato incontornável sobre o nosso acesso ao mundo, e entender que este fato…não é senão, uma expressão de facticidade, de contingência. – Não é em si mesmo absoluta…e nada de estrutural sobre o mundo tem como consequência…que não aceitemos, senão correlações.
Nesse sentido… a “metafísica da subjetividade“ pode parecer a melhor candidata para esta superação, pois se trata tanto de deixar para trás … como de assimilar. Quanto ao duplo desconforto (percebido), ela responderia também de modo duplo: 1º) para além das correlação…não há nada além de outras correlações – pois é preciso ter em mente, que a correlação não é apenas uma amarra…ou empecilho – mas é também aquilo que torna o mundo cognoscível ou pensável — como uma mediação entre 2 pólos distintos. 2º) as correlações não são nossas…a não ser quando nos engajamos em conhecimento.
Saindo do…”impasse“…pela “metafísica da subjetividade” A “metafísica da subjetividade” entende a ‘subjetividade’ como uma alavanca para a saída do ‘impasse correlacionista’ – ou como uma ‘função reveladora’…ou, por ser um conveniente ‘ponto de partida’.
Meillassoux encontra a metafísica da subjetividade em filósofos distintos como Hegel de um lado – e Bergson, Whitehead, mais Deleuze de outro. – A distinção entre eles se deve a 2 maneiras bem diferentes de entender a ‘metafísica da subjetividade’. — Pela 1ª…a correlação é única, com estrutura própria associada às capacidades conceituais…ela é aquilo que torna o acesso possível, e seus dois pólos só podem ser concebidos…por meio da correlação … uma espécie de “mediação instauradora”.
De acordo com a 2ª, a correlação é múltipla…com uma estrutura comum associada às capacidades perceptivas em geral (ou mesmo às capacidades afetivas em geral) — sua estrutura é empírica, não havendo nada além de correlações, que estão por toda parte.
Em ambos os casos, a correlação sofre um ‘procedimento especulativo’ – ao partir de um fenômeno já conhecido, e o ultrapassar; tomando-o como exemplo, ou seja, encontrando no fenômeno conhecido algo que pode ser projetado para outros fenômenos. Trata-se de uma generalização a partir do conhecido…como se o fenômeno de partida servisse como um instrutor…desbravando para além do conhecido…Whitehead compara a especulação com um ‘sobrevoo’ … que alcançando boa altura, pode permitir uma “visão panorâmica”.
No caso das ‘metafísicas da subjetividade’, o fenômeno conhecido é a ‘correlação’; sendo tomado como exemplo de contato entre uma subjetividade, e qualquer outra coisa. Uma metafísica da ‘subjetividade hegeliana’ (ou metafísica da subjetividade do primeiro tipo) entende que a correlação revela algo absoluto sobre a mediação – um engajamento com conceitos sem o qual nada pode estar nem sequer em princípio presente. Por outro lado, uma metafísica da ‘subjetividade begsoniana/whiteheadiana’ (subjetividade do segundo tipo) entende nossa correlação…como revelando como são as coisas em geral – por toda parte há correlações, e nada além delas. Em ambos os casos a correlação não é mais um véu que poderia ser retirado, mas aquilo mesmo que há para se ter acesso…não há nada além da correlação: “Nada… ‘em-si’ – apenas… ‘para-nós’ – e todos os nossos conceitos”.
Porém, segundo Meillassoux, as metafísicas da subjetividade dos 2 tipos falham ao levar em conta a 2ª lição de Kant. — Ainda que considerem a correlação como um fato central do nosso acesso ao mundo (e com efeito, a tomam como ponto de partida de um método especulativo), a tornam absolutas – e portanto…desconsideram seu caráter contingente, deixando de atender à facticidade da correlação. Dessa forma, a falha das metafísicas da subjetividade em assimilar tal facticidade…é instrutiva – ao apontar para a fissura entre aquilo que é… e o que aparece de…’alguma coisa’ – que pode ser totalmente outra…com respeito à sua aparência. A falha em levar em conta a ‘facticidade da correlação‘…é uma aposta na “transparência do mundo” … em termos de uma acessibilidade aos conceitos; na forma de uma mediação absoluta…ou, de uma rejeição da distinção entre a natureza das coisas, e a experiência que se tem delas … ou porque a mediação é transparente, ou porque um princípio como a ‘bifurcação’ entre experiência e natureza…diagnosticado e exorcizado por Whitehead, deve ser deixado de lado. – Noutras palavras, aquilo que as metafísicas da subjetividade deixam de considerar — é a… “ocultação da realidade“.
Facticidade e ocultação A facticidade da correlação aponta precisamente para a ocultação – a realidade não é transparente, não se mostra na nossa correlação e nem sequer em correlação alguma.
Há algo de recôndito que constitui o que é real…a realidade guarda um “elemento de resistência” ao cognitivo – de contraste às aparências … de velamento; pois o que ela mostra em suas correlações…nada tem de necessário. A ‘metafísica da subjetividade’ mostra que, ou a “correlação constitutiva” nada oculta – ou então, aquilo que oculta, é acessível a outra – por não subsistir um resíduo de realidade…além da correlação.
Essas 2 vertentes subjetivas parecem comprometidas com a “transparência da realidade”, ainda que não endossem que a realidade possa se revelar ao sujeito de modo instantâneo (como uma “iluminação”). A transparência…assinala Meillassoux, decorre da rejeição da “facticidade correlativa”. Para ele, não basta multiplicarmos as vias de acesso – de modo a estarmos às voltas com a “correlação” em uma delas — e admitir o “absoluto” em outra; como assim recomenda a própria “tradição kantiana”…que veda o ‘absoluto’ – ao âmbito do conhecimento teórico — para conceber o acesso à ele … por meio de uma “via prática”.
É preciso (para se chegar ao absoluto) – que a correlação seja ultrapassada também no âmbito teórico, enquanto genuíno objeto do conhecimento. – E, nesse sentido, deve-se ultrapassar qualquer correlação; não apenas ir além daquela em que estamos – mas, ir além de qualquer outra. O “absoluto”, portanto, não é apenas o não-humano … é o não-correlativo, que subsiste por si mesmo, ou seja, é o ‘princípio da facticidade’, que torna possível à transparência…ser ‘enganosa’…e que a realidade tenha algo de oculto. – Um oculto direcionado ao absoluto. O ‘salto especulativo‘ de Meillassoux…é o da ocultação da correlação pela “facticidade“ (o contingente na correlação); fenômeno que serve de ‘ponto de partida’…A correlação significa o elo central entre ‘realidade’ e ‘contingência’, fazendo com que tudo possa ser outro … e o que existe – não precise de ‘transparência’.
Se Meillassoux entende que as metafísicas da subjetividade postulam o absoluto no que é contingente…sua recomendação é que se encontre o absoluto na própria contingência. Todavia, o absoluto não pode estar na ubiquidade da contingência. E é esta ubiquidade, que permite que haja um elemento oculto em tudo o que é…já que a contingência como princípio fundamental (o princípio que Meillassoux considera absoluto é o “princípio dos fatos”) garante que a transparência não pode revelar nada de necessário…sobre o real; ou seja, a contingência é uma “pedra no sapato” da transparência da realidade, ao estabelecer que há uma capacidade de…“ser outro” – inscrita em tudo que transparece.
Meillassoux quer encontrar algum ‘absoluto’ que se distingue da correlação – através da relação entre ocultação e facticidade – e para isso, considera que o absoluto é aquilo que torna a ocultação possível – se instaurando pelo poder da realidade em criar aparências, pela sua capacidade de ser qualquer coisa; ou melhor… pelo caráter contingente de tudo.
Para além da correlação…deve haver um absoluto Eis a trama que Meillassoux apresenta: correlação contra absoluto. Há que haver uma distinção entre os 2, para podermos ultrapassar a correlação…em direção ao absoluto.
Assim, Meillassoux entende que a…‘contingência‘ forma um princípio que transcende a tudo o mais, e… por isso, o princípio da facticidade de todas as coisas pode ser um genuíno absoluto. Porém… tal independência almejada por Meillassoux…requer também uma ‘neutralidade’ apontada em direção ao infinito (o que é absoluto, independe de ponto de vista…de perspectiva…ou qualquer limitação). Porém…por ser uma indelimitação na vizinhança de uma totalidade…pode ser um tema de debates.
Uma metafísica indiferente aos desafios da era do correlato – que pode ser chamada de metafísica da objetividade – almeja oferecer uma imagem do mundo que seja pensável, absoluta, neutra e total. – Analogamente, uma metafísica da subjetividade oferece uma imagem do mundo pensável em termos de correlações – neutra em relação a cada uma delas – se houver mais de uma digna de ser considerada; e total…já que nada além das correlações pode acontecer… E, nesse caso, o “princípio de facticidade” de Meillassoux; onde… “tudo se encontra submetido à contingência” — também é… “neutro”… e “total”.
A ‘era do correlato’ é caracterizada por Meillassoux por sua finitude…onde o acesso à realidade é limitado…pela correlação. – A finitude é entendida como uma renúncia à uma totalidade alheia à estas correlações…(neutra com respeito a cada uma delas). O avesso da finitude é uma imagem total da realidade, onde todo existente é disponível a uma contemplação especulativa. – Sem finitude, a especulação pode atingir o todo, provendo uma visão de terceira pessoa como a de alguém que não está envolvido em nenhuma situação – como um ponto de vista de parte alguma … uma fresta, desde o “Grande Fora”. Para esta visão transcendente, não haveria assimetria…porque todas as coisas se relacionariam com ela…do mesmo modo – já que não estaria mais perto de nada, não seria mais íntima de nada…não teria maior responsabilidade com nada.
Para Meillassoux, a totalidade é a resposta adequada à finitude…ainda que venha do ‘princípio absoluto da facticidade’…A totalidade é o que a especulação permite ver, e talvez aqui haja um elo entre o método especulativo, e o esforço pela totalidade…Há uma totalidade acessível à ‘especulação’…porque esta procede por meio de espelhos; projetando o já visto no desconhecido. Há nela um ‘elemento indutivo’…chegamos à totalidade por uma projeção do que conhecemos…buscamos assim, uma imagem…o mais ampla possível, e para Meillassoux, é por aí que o absoluto pode ser alcançado.
Ele faz uso da própria ‘especulação’…ao considerar seu direcionamento à totalidade, a partir da capacidade de…’ser outro’ – que a facticidade da correlação apresenta. A totalidade que seu “princípio da facticidade” alcança — seria um antídoto à finitude, por revelar algo pensado desde a correlação…e para além dela. Como consequência, não mais confinados à finitude do correlato – alcançamos o direito de…“espreitar o absoluto” … para além do que – a estreiteza de seus limites… nos pode fazer revelar.
Incompletude correlata x Infinitude absoluta O procedimento especulativo parece cego à possibilidade de que o avesso da finitude é a exterioridade, e não a totalidade. Assim, o realismo especulativo pode ter sido vítima de seu “percebido desconforto”…ao deixar de lado o receio de uma visão total da realidade.
Emmanuel Levinas, em sua defesa da exterioridade, contra a totalidade, propõe que tudo aquilo que nos confina em nós mesmos – por exemplo na forma de um ‘correlacionismo’ – seria… não uma ausência de totalidade, mas… justamente uma negação do que é exterior. – Dessa forma, ele oferece elementos para uma crítica à conexão entre o tipo de totalidade que uma especulação pode criar, revelando importantes dimensões de totalidade… – e a rejeição da finitude. Para ele…uma projeção não alcançaria um genuíno infinito; no máximo, neutralizaria diferentes visões.
Entendendo o infinito como aquele supostamente concebido por Descartes … trazendo à baila uma não-delimitação – uma indefinição que talvez seja impossível ao infinito atual, Levinas entende que a totalidade é precisamente o que impede a abertura ao infinito – e, que uma totalidade que projeta a si mesma não representaria mais do que uma “finitude multiplicada“ — cuja “assimetria é minimizada” — em nome de… “relações especulares”.
Levinas inaugurou um modo de pensar, onde a totalidade contrasta com a exterioridade. A totalidade…feita de complementos e variações do mesmo, de ‘reflexos especulares‘…é incompatível com qualquer ‘suplemento’…que não atenda a uma lacuna, ou a um espaço deixado em branco…Conclui-se daí – ser o suplemento que impede a finitude…Se há um elemento exterior na realidade — um elemento que se pode encontrar sem antever — ela, finitude, não pode caber numa totalidade – e, em particular…numa totalidade alcançada por uma especulação a partir do já conhecido…Nesse caso, portanto…‘depois da finitude talvez não haja totalidade‘. E assim, a saída da “era do correlato” … seria postular que haja no mundo… “incognoscíveis” – e que o nosso conhecimento mesmo deva ser, em alguma medida — limitado… ainda que não seja finito — e… precisamente, por não sê-lo.
Com efeito, o próprio contraste entre totalidade e exterioridade aponta para a ‘ocultação’; havendo um sentido de parentesco entre as 2…quando a 1ª é entendida como ‘exposição’. Por isso, Meillassoux tenta exorcizar a transparência das metafísicas da subjetividade, ao dar atenção à contingência…tornando assim possível a ocultação. Porém, ao apresentar a ‘facticidade‘ como sendo absoluta…compondo um princípio cujo escopo é total, ele acaba postulando que tudo é transparente à contingência. Essa “imagem total” – ao substituir a finitude da… “era do correlato” – seria incapaz de alcançar o… “infinito da exterioridade”.
A contingência de todas as coisas é uma visão de parte alguma, que dilui o exterior e o interior numa totalidade. Sem exterior, nada pode exorcizar o princípio da facticidade. “Tudo pode ser outro”…e tal contingência transcende qualquer distinção entre o que é interior e o que é exterior; e a preocupação com a “exterioridade”, contrastando com a ‘finitude’…parece ser parte do desconforto que impulsionou o “realismo especulativo”, sendo, de fato, ela própria que termina ganhando o jogo…na forma de uma totalidade. Vemos para além da ‘correlação‘ – mas ao mesmo tempo exorcizamos a possibilidade de outro exterior a uma totalidade obtida a partir de nosso ponto de vista. (texto base)
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