A capacidade de apreensão das coisas por meio dos sentidos é fundamental na formação do conhecimento. Mas, como garantir o saber objetivo e erigir uma teoria do conhecimento – se a percepção envolve “objetos subjetivos”?
Conhecemos o mundo ao redor através dos ‘órgãos sensoriais‘; onde a – “percepção sensível“: nossa capacidade de ‘assimilar’ coisas pela visão, audição, tato, olfato e paladar’…desempenha importante papel na formação das nossas crenças e… “saber”.
Por isso, a percepção tem sido discutida, desde a antiguidade…com inúmeros problemas filosóficos girando em torno dela. – Podemos entendê-la como uma relação entre aquele que percebe e o que é percebido, isto é, entre um organismo com capacidades sensoriais, como o humano, e objetos e eventos do mundo. Na percepção a pessoa informa-se sobre esses objetos ou eventos, e essa informação, então percebida, lhe traz uma “experiência”.
Desse modo a ‘fenomenologia’ envolve uma percepção das “qualidades sensíveis” das experiências que surgem à consciência do sujeito – e que – em…”Filosofia da Mente“, denomina-se “caráter fenomênico” do objeto experienciado pelo indivíduo. Como exemplo – ao ver um tomate maduro…a cor vermelha aparece à nossa consciência de um certo modo, ou seja, com uma característica qualitativa, por mim subjetivamente apreendida. Assim, com a experiência visual do tomate maduro, meu ‘estado mental‘ assume um caráter qualitativo, que aparece de certo modo à minha consciência. Esta é a ‘consciência fenomênica’. – Daí, surge a questão sobre o “caráter perceptivo”, levando em conta que – numa concepção ordinária…o “emergente”…à consciência diz respeito apenas a uma característica própria de representação do ‘objeto externo’. E assim, próximo a uma tradicional ‘concepção ordinária de percepção’…pensadores defendem tais qualidades sensíveis como sendo “propriedades externas” dos objetos.
Contudo, existem argumentos filosóficos defendendo que, as ‘qualidades sensíveis’ comumente atribuídas a objetos, não são suas propriedades … mas sim, caracteres intrínsecos das “percepções“, existindo somente no sujeito. Nesse sentido…a cor vermelha do tomate não está nele – o que implica … que o tomate não é realmente ‘vermelho’…uma vez que sua cor estaria apenas – na… “mente” – de quem o vê.
Portanto, de um lado estão aqueles para os quais o caráter fenomênico das experiências perceptivas é explicado por ‘propriedades objetivas’ – e de outro, aqueles que procuram explicá-lo por referência a ‘propriedades subjetivas’. Em consequência, não se tem uma explicação consensual e satisfatória sobre o que é esse caráter fenomênico, e assim, não sabemos, com total certeza, qual a verdadeira natureza das… “experiências perceptivas”. No debate travado dentro da Fenomenologia entre subjetivistas e intencionalistas, 2 teorias filosóficas que representam tais “concepções perceptivas”… – mostra-se como, convergindo e divergindo entre si…e da concepção ordinária de percepção – elas fazem com o que é evidente ao “senso comum”…possa ser – naturalmente… “posto em xeque”.
a) Subjetivismo
A concepção subjetivista tem predominado na Filosofia desde o século XVII…De modo geral – defende que a…’percepção sensível’ envolve algo mental e privado, só acessível por quem tem a ‘experiência’. – Segundo o filósofo Hilary Putnam, desde então… esse “algo” foi concebido, de diferentes modos, em denominações tais como impressões, sensum, etc. Nesta concepção perceptiva, qualidades sensíveis do objeto não seriam “propriedades objetivas do mundo” – mas subjetivas – e intrínsecas às ‘experiências‘.
Um dos principais expoentes desta teoria foi Bertrand Russell (1872-1970). Russell fazia parte do grupo de filósofos que batizou de “dados dos sentidos”… – àquilo que aparece à consciência de uma pessoa numa ‘percepção sensível‘…De forma geral, esses teóricos os consideram objetos mentais… não físicos – que dariam à experiência perceptiva a sua qualidade aparente…Sendo, portanto… isso o que explicaria a fenomenologia das nossas percepções. Em defesa dessa teoria é comum utilizar-se o argumento da…”alucinação“:
João está tendo uma experiência visual de uma árvore com caule marrom…e, folhas verdes, porém, nada assim existe diante dele. Conclui-se então que ele está tendo uma alucinação de uma árvore, com certas características. Ora, se não existe qualquer objeto diante de João…assim como aquele que aparece à sua…’consciência’…os objetos de sua experiência visual não lhe são externos, devendo existir algo interno mental…que explique tais “objetos imaginados”.
No 2º passo desse argumento, devemos observar que percepções inverídicas podem ser qualitativamente indistinguíveis das verídicas, e que o caso de João é um destes. Por isso, quando João imagina a árvore, ele não consegue discriminá-la…de uma ‘visão real’. Desse modo…sendo a “alucinação” de João introspectivamente indiscriminável de uma percepção genuína; deve existir algo que essas experiências perceptivas têm em comum. O “subjetivista“, nesse caso, defende que tais experiências têm a mesma fenomenologia; compartilhando do mesmo caráter fenomênico… Portanto – os dados dos sentidos, que caracterizam o que aparece à ‘consciência do sujeito‘…nos casos perceptivos verídicos e inverídicos – são objetos mentais… individuais. Ou seja, a ‘fenomenologia’ envolvida na percepção de João seria diferente – se, por acaso… os dados dos sentidos fossem outros.
Se em toda experiência perceptiva existem dados dos sentidos do qual João é consciente, mas nem sempre objetos externos estão presentes, tal como acontece na alucinação…diz-se que João é diretamente consciente de objetos mentais…Logo, na “percepção genuína”, é ‘indiretamente’ consciente dos objetos externos que vê, pois existem dados de sentidos mediando a relação perceptiva dele com o mundo exterior. – Assim…é como se existisse uma tela interior, na qual os objetos que vemos são sempre objetos projetados nesta tela.
Uma vez que…percepções inverídicas…”indiscerníveis“…das verídicas são caracterizadas pelos mesmos dados dos sentidos, conclui-se que… – “a natureza dessas experiências é a mesma”.
Por meio do argumento da ‘alucinação’… a teoria coloca em xeque a concepção ordinária de percepção em 2 sentidos: 1) Enquanto o “senso comum“ atribui a objetos externos as qualidades sensíveis das nossas experiências…a ‘teoria filosófica subjetiva’ as explica por meio de dados dos sentidos, propriedades intrínsecas da experiência, cujas existências e naturezas dependem da consciência de quem tem uma ‘percepção sensível’…e 2) Contra o que é usual pensar-se…existiria uma espécie de interface entre nós e o mundo exterior.
b) Intencionalismo
Muitos filósofos afirmam que as…“teorias perceptivas“ – que se baseiam em objetos mentais – tais como “dados dos sentidos”, não logram explicar a…Fenomenologia da Percepção. Entre eles, os ‘intencionalistas’ entendem as experiências perceptivas por meio de um conteúdo intencional…o qual representa…objetos & eventos do mundo.
Para Gilbert Harman, um dos representantes da teoria – esse ‘conteúdo intencional’ seria suficiente para explicar o caráter fenomênico das percepções. Em seu entender, dizer que nossa experiência visual possui conteúdo é afirmar que ela representa as coisas de certo modo. E, sendo assim, o conteúdo representacional de uma experiência fica definido por referência aos objetos percebidos. Desse modo ser representacional é ser intencional, pois a experiência é sempre acerca de algo… E, como a experiência perceptiva requer um conteúdo intencional – o que é percebido é tratado como um “objeto intencional”. Harman visa mostrar a inadequação da teoria subjetivista à fenomenologia da percepção revisitando o argumento da alucinação, e o confrontando com a tese da ‘transparência da experiência‘, pela qual na ‘experiência perceptiva’ não nos tornamos conscientes de nada além do que nossos ‘estados mentais‘ representam. Nessa tese, o “subjetivismo“ se equivoca ao tomar as “propriedades” representadas…como “intrínsecas“ da experiência.
No exemplo anterior…segundo Harman: João está vendo uma árvore, então, o conteúdo da sua experiência visual é a árvore, que é representada de certa maneira para João…por exemplo, contendo caule marrom e folhas verdes…Seja nas percepções verídicas, ilusões ou alucinações…a árvore que João percebe – apresenta-se para ele … estando no mundo.
Assim, a representação mental de uma experiência significa… — algo no mundo — não, algo na mente.
Harman defende que…nada na experiência visual de João lhe revela as propriedades intrínsecas da experiência, em virtude das quais possui o conteúdo que possui… – Se somente propriedades representadas nos vêm à percepção – nenhum objeto mental individual – que daria à experiência, sua qualidade sensível… nos será revelado. Se o que nos é revelado for apenas o… “conteúdo representacional”… é esse conteúdo que determina o ‘caráter fenomênico’ envolvido na percepção – seja ela verídica…ou não.
Nesse caso não são requeridos objetos externos para a determinação da Fenomenologia. Se a percepção individual for verdadeira, seu conteúdo também é verdadeiro – e…tendo em vista que os objetos da experiência são ‘objetos no mundo’… com suas propriedades; seu “caráter fenomênico”…é dado por referência a propriedades de… “objetos externos”. Assim, em oposição ao ‘subjetivismo’, nos casos verídicos, os objetos da experiência não são objetos mentais. – Se a pessoa estiver alucinando…o conteúdo representado em sua experiência perceptiva é falso … embora lhe pareça o contrário. – Como ter experiência, requer um conteúdo representado…não dependendo da existência de ‘objetos externos’, explica-se assim também…a “fenomenologia das alucinações indiscrimináveis“.
O intencionalismo de Harman se aproxima então da concepção ordinária perceptiva, na medida em que as qualidades sensíveis envolvidas nos casos verídicos se explicam com base em propriedades objetivas. – A diferença… no entanto, é que… nesta teoria, o que determina o caráter do fenômeno perceptivo…é seu conteúdo representacional, e não os próprios instrumentos da percepção…tratados como…”objetos intencionais”.
Contraponto a Harman
Vimos … como a “tese da transparência” utilizada por Harman contra o “argumento da alucinação“ objeta a existência de dados dos sentidos em nossas percepções…Porém, ao nos apresentarem apenas “propriedades representacionais” – Christopher Peacocke duvida da ‘transparência‘ das visualizações.
Peacocke entende que o conteúdo representado nas experiências, não apreende todas as qualidades sensíveis, sendo assim, não explicaria seu ‘caráter fenomênico’. Experiências perceptivas, além de representarem propriedades de objetos…apresentam também suas aparências…e portanto – devem existir aí… “propriedades não representacionais“.
Tal conclusão, se contrapõe à tese de que o conteúdo representacional seria suficiente para explicar o caráter fenomênico subentendido nas percepções.
Nessa perspectiva, assim como objeções pesam contra a teoria dos dados dos sentidos, a teoria de Harman não explicaria a ‘fenomenologia’ satisfatoriamente; nossas percepções parecem nos colocar em contato direto e imediato com o mundo ao nosso redor…porém, um dos motivos para desconfiarmos delas… é que – podemos tomar um caso perceptivo inverídico por uma percepção genuína, e nos enganarmos a respeito do que percebemos. O que nossa experiência perceptiva nos mostra, pode não existir no mundo…tal como se dá nos casos alucinatórios. Isso então abre caminho à ‘teoria subjetivista‘, que defende a existência de objetos mentais abstratos em todas percepções; de onde apreenderíamos o mundo indiretamente, através de uma interface entre quem percebe e o que é percebido.
Entretanto, por meio da ‘tese da transparência’…os ‘intencionalistas’ argumentam que as experiências nos mostram apenas seu conteúdo representacional, e desse modo o ‘subjetivista’ se equivoca…pois nas “percepções” não estaríamos conscientes de seus…”objetos mentais”.
Além dessa objeção…o ‘subjetivismo’ traz consigo o problema de justificar nossas crenças do mundo a partir de objetos teóricos mentais específicos. Mas eliminar ‘objetos mentais’ da Fenomenologia da Percepção não é tarefa fácil… – Isso foi mostrado por Peacocke…ao argumentar que… o “conteúdo intencional” não é suficiente para explicar o que aparece à consciência individual. – Portanto, frente aos problemas levantados contra suas próprias teorias filosóficas – ainda não há explicação satisfatória para o “caráter fenomênico“ das percepções… e, por conseguinte – sobre qual a… “natureza das experiências perceptivas”. Serão estas — como quer a concepção ordinária — constituídas por aspectos da realidade exterior apreendidos por nossos sentidos?…Serão as qualidades sensíveis explicáveis por objetos não físicos…ou por uma referência a propriedades objetivas?…Responder a essas questões é fundamental para uma “teoria da percepção” que se pretenda filosófica – pois esta não pode prescindir do que é vivenciado pelo sujeito…como consciência fenomênica.
Uma 3ª via… (“disjunção natural”) Embora subjetivistas e intencionalistas discordem sobre o “caráter fenomênico” das experiências — eles concordam que as “alucinações de percepções verídicas” compartilham a mesma fenomenologia, onde o “experienciado“ pelo sujeito é o bastante para se atribuir a elas, mesmo “tipo fenomênico“. – Contudo, há uma nova classe (disjuntivismo fenomênico) que também é contrária a uma tal ideia.
No entender de Michael Martin, seu idealizador…a experiência de alguém não o autoriza a afirmar que o “caráter fenomênico” é o mesmo…nos casos alucinatórios indiscerníveis dos verídicos. Assim, não decorreria que – por experiências parecerem iguais, pessoas tenham algo em comum. – E isso então, abre espaço teórico ao argumento, de tais situações serem “absolutamente” distintas, ainda que pareçam fenomenicamente indiscrimináveis… Daí, a denominarem uma…”disjunção“: ‘ou a pessoa, de fato, viu algo, ou pareceu-lhe ver algo’. Ou seja, alucinações, indiscrimináveis de ‘percepções verídicas‘, seriam experiências de naturezas diversas. Tal pensamento permite a Martin concluir que, em casos verídicos:
“para os ‘objetos’ constituintes de uma…’experiência’, suas naturezas determinam seu caráter fenomênico”.
Retorna-se assim, à concepção comum de “percepção“, ao tratar os objetos da experiência, nos casos verídicos – como…“objetos no mundo“…e não, objetos mentais, ou intencionais. Mas o que dizer do que surge à consciência de quem alucina?… – Segundo Martin, o único atributo à “experiência alucinatória”…é seu caráter de “indiscernibilidade”…Não haveriam dados dos sentidos…conteúdos intencionais falsos ou outra coisa qualquer que a definisse fenomenicamente; isto é…o que se pode falar sobre a “fenomenologia da alucinação”… – é a propriedade desta… ser “indistinguível” das percepções genuínas. – Todavia, o principal problema aqui enfrentado por Martin…é negar que alucinações…indiscerníveis ao sujeito, compartilhem do mesmo “caráter fenomênico” das percepções verídicas – pois… segundo ele… “o que poderia existir de mais verdadeiro…ao caráter dos ‘estados conscientes da mente‘… do que a pessoa poder discernir … (por si mesma) … quando reflete sobre eles?”
Essa teoria é assim desafiada a demonstrar que… em percepções verídicas, existe uma diferença experiencial em relação às alucinações — mesmo que esta seja subjetivamente ‘indiscriminável‘ de um caso verídico. (“o autor”) ********************************************************************
Podemos confiar nos sentidos?…
Ilusões e alucinações são 2 termos que surgem ao falarmos de…”percepção“. Há porém uma diferença fundamental entre eles…A ilusão é uma “percepção equivocada” … quando algo parece ser outra coisa; enquanto alucinações são ‘falsas percepções individuais’. — Isso significa que – enquanto – no caso de uma ilusão, existe…’estímulo externo’, alucinações se devem ao próprio…’eu’.
As ilusões, ao distorcerem a realidade dos fatos/objetos, tendem a enganar a maioria das pessoas, sendo por isso consideradas “normais”. Não se restringem a um órgão sensor, em particular; embora ‘ilusões visuais’ sejam colocadas em destaque, outras formas de ilusões, como auditivas e tácteis também existem. Na psicologia da Gestalt, há um destaque para a percepção…e as ilusões que as pessoas podem ter — considerando a importância de vários ‘princípios organizacionais‘, ao se estudar a percepção humana e as ilusões como um todo.
Para que algo seja uma ilusão, deve haver um estímulo externo. Um ramo de uma árvore, no escuro, pode ser percebido como um animal. Esse é um erro comum que todos nós costumamos fazer… podendo ser categorizado como um tipo de…”ilusão visual”. – Mas ‘alucinações‘ são bem diferentes.
Alucinações não são ‘universais’, como no caso de ilusões. Pelo contrário, elas tendem a ser únicas e pessoais. Na psicologia estudam-se vários transtornos mentais que provocam experiências de alucinações. Por exemplo, no drama de Shakespeare “Hamlet”…enquanto a história avança…o personagem principal começa a ter alucinações. – Ele começa a ver o fantasma de seu pai. Aqui – “objetivamente”…não há quaisquer estímulos externos, a não ser um sentido de injustiça – tornado crescente, pela desconfiança circunstancial. Mesmo no dia a dia, podemos experimentar…“alucinações” – sendo estas – em casos recorrentes, consideradas como um dos sintomas da ‘esquizofrenia‘…ou seja, uma “desordem mental“. **********************************************************************************
O problema da “experiência consciente” A relação “mente/corpo” é um dos problemas mais antigos da filosofia… O dualismo cartesiano (substância), o materialismo, behaviorismo e funcionalismo não conseguem abarcar a “experiência subjetiva” – ou seja – a maneira como alguém experimenta algo.
Segundo o filósofo Thomas Nagel, a consciência é o que torna a relação mente/corpo um problema insolúvel. Este problema abrange a experiência consciente, a intencionalidade, e as experiências subjetivas. Ele argumenta que, estando a ‘subjetividade’ relacionada ao fenômeno da ‘consciência’ – podemos até imaginar como é ser outra pessoa…mas nunca teremos acesso à sua subjetividade. Dessa maneira, portanto – quando percebemos algo, como um tipo de cor…essa experiência tem uma característica completamente particular. Aceitamos que outras pessoas ‘experimentem‘…mas não podemos saber qual a sensação neles causada. Assim, apesar do avanço da “neurociência“, com importantes estudos em fenômenos mentais…o “caráter subjetivo da experiência” segue sem resposta satisfatória.
Para abordar o problema da consciência, ou da ‘experiência consciente’, adotamos a perspectiva de dois filósofos que defendem visões opostas sobre o tema, ambos com contribuições importantes no campo da filosofia da mente: Thomas Nagel e Patrícia Churchland. – Enquanto um defende, apesar das novas abordagens reducionistas e fisicalistas, ser o problema insolúvel…a outra propõe a visão fisicalista do problema. Churchland acredita que o avanço da neurociência – da química, da física e biologia poderão fornecer respostas satisfatórias para o problema da consciência. Assim, ela defende que uma…“abordagem materialista“ – ao aceitar que o cérebro causa a consciência…poderá definir o “caminho possível“ para entendermos o problema da “experiência consciente“. – Adotar esta abordagem eliminaria então – qualquer metafísica, ou dualidade mente/corpo, e a alma teria então uma “natureza cerebral”.
“Não compreendemos totalmente como os humanos são conscientes, mas o fato é que – nos pondo a uma certa distância, a consciência não aparecerá como intrinsecamente mais misteriosa do que nosso controle motor. Como contraponto ao desapontamento causado da ‘compreensão integral’ ainda nos escapar, temos um otimismo cauteloso…baseado no tipo de progresso já conquistado pelas…’neurociências cognitivas’ – muito além daquilo que outrora alguns filósofos céticos achavam possível alcançar” (Churchland)
Churchland acredita em um ponto de vista radicalmente materialista sobre o problema: a consciência seria causada pelo cérebro, através de um processo ainda desconhecido. Para ela, tal abordagem – aceitando que o cérebro causa a consciência … irá criar um caminho possível para compreendermos o problema. Não sabemos como ocorre a consciência…ou, não sabemos ainda o que o cérebro realmente faz. Porém… conforme afirma Churchland, isso não impede que no futuro ocorra com a consciência o mesmo que ocorreu em outros problemas tidos como misteriosos ou “inimagináveis”. O fato de que no passado existiam coisas incompreensíveis – que hoje são triviais – se aplica ao… “problema da consciência”.
Sob a ótica reducionista (prós e contras) “É bem pouco provável que algum dentre os diversos exemplos de redução bem sucedida da ciência moderna ilumine a relação ‘mente/cérebro’. Mas os filósofos compartilham da fraqueza humana de explicar o incompreensível…em termos que se adequam ao que lhes é familiar, ainda que completamente diferente. […] Sem a consciência…o problema seria bem menos interessante…Com a consciência – parece insolúvel. O aspecto característico dos fenômenos mentais conscientes é muito mal compreendido – sendo que … a maioria das ‘teorias reducionistas’, nem mesmo têm a preocupação em tentar explicá-lo”. (Nagel)
Churchland defende o “reducionismo” como importante, e produtivo. Compreender os detalhes do funcionamento de um organismo, é um caminho para sua compreensão geral. Assim, o reducionismo não seria apenas uma visão restrita de investigação, mas um método gradual de conhecimento. O ‘conhecimento gradual’ da consciência poderia então ser atingido através de um fértil “contato redutivo“ – entre as neurociências e a psicologia. – Thomas Nagel, por sua vez, critica o que ele chama de: “onda de euforia reducionista“. Ele explica que…um organismo tem consciência (“estados mentais conscientes”) se e somente se existir algo que seja ‘subjetivo’ da experiência; presente em toda forma de vida.
Essa subjetividade está relacionada com o ‘fenômeno da consciência’. Podemos tentar imaginar como é ser outra pessoa – mas nunca teremos acesso à sua subjetividade. Podemos tentar imaginar…como deveria ser um animal, pensar situações que enfrenta – mas… isso seria apenas tentar comportar-se como ele…nunca sendo ele próprio.
Podemos chamar isso de caráter subjetivo da experiência; não sendo capturado por quaisquer das recentes análises redutivas do mental – já que todas elas…são logicamente compatíveis com sua ausência…nem sendo analisável em termos de sistemas explicativos de…”estados funcionais”, ou de… “estados intencionais” — pois estes poderiam ser atribuídos a robôs ou autômatos – que se comportassem como “pessoas” … embora nada pudessem experimentar.
Thomas Nagel não nega que o avanço das ‘neurociências’ possa nos fornecer novas relevantes informações para a consciência. Entretanto… mapear e analisar o cérebro…e então descobrir relações entre cérebro e consciência, não responde à questão sobre … o que origina a ‘consciência’. Ele também admite ‘estados/eventos mentais’…‘criando’ o comportamento, através de caracterizações funcionais; mas sem esgotar a análise dos mesmos. Assim, qualquer “programa reducionista“ precisa se basear na análise do que deve ser reduzido, sem deixar que nada fique de fora.
Considerando que o reducionismo materialista exclui a subjetividade, Nagel não vê como se possa excluir algo que se pretende, no final das contas, compreender. Paradoxalmente, assim, qualquer abordagem materialista, ao se deparar com a subjetividade, é obrigada a colocá-la de lado…pois todo fenômeno subjetivo é essencialmente conectado a um ponto de vista singular, sendo inevitável que uma teoria física – objetiva – precise abandoná-lo.
O dilema da consciência Numa experiência, “ser como algo consciente” é uma visão reservada apenas a cada indivíduo. – Essa visão, portanto, é inacessível a qualquer ‘abordagem reducionista’.
Nessas visões opostas de Thomas Nagel e Patrícia Churchland…enquanto Churchland advoga a que a evolução da neurociência poderá um dia nos entregar, o que seria uma ‘experiência subjetiva’…Nagel argumenta contra essa possibilidade…mostrando que o problema é insolúvel, apesar de tornar a relação mente-corpo um problema filosófico interessante. Mesmo com sua postura totalmente cética, admite que a ciência fornece dados objetivos do “funcionamento orgânico”…contudo, sem abarcar a subjetividade. Apesar de todo conhecimento que a subjetividade produz; a objetividade da ciência a elimina… contudo, isso não nos impede de acreditar na experiência subjetiva pessoal. Imaginar-se outra pessoa pode até ser um exercício fácil de realizar… mesmo assim é impossível ter acesso à experiência subjetiva dessa outra pessoa. Por isso…Nagel não acredita que uma ‘abordagem científica‘ possa resolver o problema da… ‘consciência‘.
Por acreditarmos que essas experiências tenham um caráter subjetivo específico — o qual está além da nossa habilidade de concepção — não há nada na ciência que nos mostre o que possa ser uma…”experiência subjetiva”…ou seja, a principal característica da consciência. (Nagel)
Diversas características da “consciência“ já foram apontadas por Wittgenstein como experiências privadas inacessíveis, sendo este portanto um campo ainda aberto à pesquisa, pois nada supomos acerca de uma “linguagem interior” que interprete nossas experiências. – Segundo o filósofo…aliás, sequer existiria tal linguagem…De fato, considerar a subjetividade através de dados objetivos, ou descrições analíticas, supõe certa ingenuidade. Entretanto, isso não invalida o trabalho analítico e descritivo das…‘neurociências’ – mas, como sugere Nagel, parece que a consciência é confortavelmente colocada de lado pela ciência; tal qual uma equação a ser resolvida futuramente. (texto base) (Alfredo Carneiro) ***********************************************************************
Origens e efeitos evolucionários da Consciência Essa é uma questão particularmente pertinente, quando os efeitos reflexivos da consciência humana são considerados. – No entanto, efeitos da consciência…nos processos evolutivos… são mais gerais.
Assim como não pode ser burra nem inteligente, a evolução não tem a chance de ser ‘consciente’ ou ‘inconsciente’. – No entanto, “sensíveis animais conscientes”, incluindo seres humanos…com ‘pensamento reflexivo‘, são um dos “produtos evolutivos” mais surpreendentes. — Faz sentido assim entender o modo como a consciência evoluiu; e uma vez estabelecida fez modificar suas “taxas”…e “padrões evolutivos”.
Como a consciência evoluiu, e afetou os ‘processos evolutivos’, são questões relacionadas. Isso porque a consciência biológica (única forma conhecida de consciência) é vinculada a uma forma particular e bastante sofisticada de cognição animal, uma livre capacidade de aprender por associação – tecnicamente conhecida como… “aprendizado associativo ilimitado” (UAL), em inglês. Animais com UAL podem atribuir valor a novos estímulos compostos e sequências de ações, lembrando deles, e usando o que foi aprendido em um aprendizado subsequente (de 2ª ordem). Em nosso trabalho, argumentamos que o ‘UAL’ é o referencial evolutivo da “consciência mínima” (da “experiência subjetiva”), porque se fizermos engenharia reversa dessa capacidade de aprendizado para o sistema subjacente que o habilita…tal sistema terá todas as propriedades e capacidades…que caracterizam a “consciência” — incluindo uma unificação de estímulos e ações…e sua acessibilidade à referência cognitiva… — a formação de representações do mundo… do corpo – e de suas interrelações (levando à construção de um ‘eu virtual’); comportamentos direcionados a objetivos…conduzidos por motivações emocionais, e baseados num sistema de valores, sujeito à percepções e sequência de ações unificadas – flexibilidade de desenvolvimento, fundamentada em processos de seleção, incluindo atenção seletiva…e a formação de um substancial…”presente” – contendo…”sombras do passado” – mas… orientado ao futuro.
O ‘emaranhado evolutivo‘ de ‘consciência’ e ‘cognição’…indica que o comportamento animal foi impulsionado, não só pelo significado funcional direto de seu comportamento, mas por valores mediados de desejos e aversões atribuídos a um conjunto de percepções, e ações elaboradas (onto)geneticamente. – Um animal que pudesse aprender livremente, poderia, teoricamente, atribuir valor a um número ilimitado de percepções e padrões de ação, e antecipar efeitos positivos e negativos, com base em “sintomas” a eles associados.
A ontogenia, ao contrário da filogenia, trata da história de um organismo em seu próprio tempo de vida e desenvolvimento. Já a filogenia se refere à história evolutiva de uma…ou mais espécies. – Enquanto processos do desenvolvimento – neste caso… “ontogenéticos”, podem influenciar processos evolutivos (filogenéticos)…como consequência, organismos individuais se desenvolvem (“ontogenia”), ao passo que as espécies evoluem (“filogenia”).
Aprendizado associativo (‘ontogenético’) O ‘aprendizado associativo‘ mudou as regras do jogo: seres vivos agora podiam se adaptar “ontogeneticamente“… — enquanto espécie.
Diz-se que uma tal ‘capacidade de aprendizado’, levou à ‘explosão cambriana’. Comportamentos aprendidos, tornaram-se assim fundamentais à ‘sobrevivência‘…em um mundo…de constantes mudanças… — Toda e qualquer…’característica comportamental’ – fisiológica…ou morfológica, que melhorasse o ajuste ontogenético, para um âmbito de aprendizado…logo seria selecionada.
O condicionamento evolutivo por aprendizagem/sobrevivência carrega consigo – uma diversificação morfológica/fisiológica…que – em última instancia, afeta diretamente o processo de… “evolução das espécies“.
Como o que os animais conscientes consideram bom ou ruim depende do contexto, que nem sempre é ideal, novos tipos de recursos podem evoluir. A evolução da mudança no ‘sistema digestivo‘ pelo consumo de outros alimentos, por exemplo, seria impulsionada pelo prazer que a comida proporciona a seus consumidores…mais do que, por seu valor nutricional. – Ou, no caso de uma fêmea selecionando seu parceiro…o motivo pode ser padrões complexos de cores nas asas e na cauda…A habilidade de perceber e aproveitar esses recursos leva à efetiva seleção dos machos…mesmo se estes tiverem de pagar com a própria vida o custo da sobrevivência da espécie, segundo tal escolha por atratividade. Não surpreende portanto que Darwin considerasse animais com complexas escolhas de parceiros como um sinal de uma mentalidade mais desenvolvida. A consciência, por tal motivo, evoluiu muito mais em alguns animais (pássaros…como papagaios; mamíferos, como elefantes, e talvez até alguns “himenópteros” e “cefalópodes“) onde a imaginação começou a impulsionar o comportamento – para que a ‘consciência reflexiva’ dos seres humanos levasse esse…“mediado efeito evolutivo” da consciência…a um novo patamar.
Por sistemas de representação – em uma linguagem simbólica … seres humanos podem se comunicar sobre feitos de sua própria imaginação.
A evolução humana – além de produzir complexos artefatos … tem domesticado plantas e animais, concretizado sistemas sociais, leis morais, ideologias excludentes, guerras cruéis, horríveis sofrimentos humanos e animais, e a catástrofe ecológica iminente… consolidada por mesquinhos interesses futuros. – No entanto, nossa “consciência reflexiva” nos leva a considerar tudo isso. – Somos realmente uma “espécie estranha”…cuja evolução pode ser paradoxalmente impulsionada – por visões de um futuro melhor…e por valores abstratos como justiça, beleza e verdade. Há portanto, alguma esperança. (texto original) jan/2019 ***********************************************************************************
Como a atividade dos neurônios pode produzir “consciência”? (ago/2019) Dados teimosamente mostram que todas nossas peculiaridades: linguagem, matemática, moralidade, artes, ciências…etc. estão enraizadas nas profundezas da…’evolução animal’.
Há 2.500 anos … enquanto os babilônios tomavam Jerusalém, o reino de Wu capitaneado por Sun Tzu esmagava as forças de Chu e Tales de Mileto previa um eclipse… — um jovem discípulo de Pitágoras … chamado Alcmeão de Crotona – propôs pela 1ª vez que ‘o cérebro era a sede da mente’. A ideia esfriou mais tarde — porque Aristóteles determinou que a sede da mente era o coração – sendo o cérebro um mero sistema… — destinado a — resfriar o sangue.
Hoje, temos certeza que era Alcmeão quem estava certo… — no entanto… — a exemplo de Aristóteles, continuamos…basicamente, ignorando o processo que corresponde ao ‘funcionamento do cérebro‘, e por conseguinte…continuamos ignorando em que consiste…fundamentalmente…a natureza humana.
Ninguém nega que entender o cérebro é um dos grandes desafios hoje da ciência, e que há intensa pesquisa nesse sentido. Por exemplo, sabemos da geometria de seus circuitos, que a ‘conectividade‘ entre os neurônios é a chave da nossa mente, conhecendo os intrincados mecanismos pelos quais um neurônio decide enviar – através de seu ‘axônio‘ (seu output), o resultado de um complexo cálculo – integrando as informações de seus 10 mil dendritos (input). Entendemos os reforços dessas conexões (sinapses) na base da nossa memória…e usamos ondas de alto nível, fruto da atividade de milhões de neurônios, para diagnosticar doenças mentais, e pesquisar graus de consciência. Porém…seguimos sem entender como o cérebro gera a mente. – Mesmo com as inúmeras tentativas de associar a especificidade humana a uma nova porção do cérebro – arquitetada ao longo da história do planeta – os dados teimam em nos mostrar que todas as nossas peculiaridades … estão enraizadas nas profundezas abissais da evolução animal…num processo que custou 600 milhões de anos.
Foram as ‘águas-vivas‘, precisamente, que inventaram os olhos — através de um gene chamado PAX6, ocupado em desenhar o olho primitivo desses cnidários e sua conexão com neurônios primitivos deles…Esse mesmo gene (inicialmente descoberto na mosca), também é responsável pelo desenho do ‘olho humano’ … de suas leves mutações, e seus neurônios associados. Em um sentido genético profundo, nossos olhos e nosso cérebro visual tiveram origem nas águas-vivas há 600 milhões de anos. E isso é só o começo da longa, longa história…da nossa conexão com as origens da vida animal. — É a partir do lóbulo óptico dos animais primitivos (precisamente o domínio de ação do PAX6) – que surge o nosso cérebro médio (ou mesencéfalo) … essencial à visão…audição…regulação da … temperatura corporal … do controle dos movimentos – e do ciclo de sono e vigília.
Outro dos nossos sentidos…o olfato, vem do nosso córtex, a camada mais externa do cérebro, que nas espécies mais inteligentes cresceu tanto…que para caber no crânio – teve que se enrugar…resultando nas dobras da mente. Do córtex, e seus associados, emanam todas aptidões da mente humana … tudo o que nos torna especiais…Tal camada externa do cérebro gera nossas sensações do mundo exterior, nossas ordens voluntárias…para mexer os braços, e mais um enxame de… “áreas de associação”.
“Consciência”…o grande mistério Os sentidos, lembranças e pensamentos são integrados para produzir uma cena consciente única, o tecido do qual nossa experiência é feita.
Todo o cérebro é um enigma, mas se fosse preciso escolher um problema supremo nessa floresta…seria o mistério da consciência. E há uma boa história científica que precisa ser contada aqui. – Um dos grandes cientistas do século 20 … Francis Crick… pensando nos grandes problemas a resolver na ciência…decidiu que os enigmas essenciais eram 2 — a fronteira entre o vivo e o inerte…e a fronteira entre o consciente e o inconsciente. Seu 1º enigma foi resolvido satisfatoriamente com a descoberta da ‘dupla hélice‘ do DNA por ele e James Watson, em 1953…Já o 2º, nunca chegou a averiguar, contudo, foi capaz de estimular pesquisadores mais jovens … e gestores de financiamento científico, nos EUA, para que investissem nesse ‘pináculo pendente do saber’. — E Christof Koch…diretor do “Instituto Allen“ de Biociência, em Seattle, foi seu principal colaborador na empreitada.
Quinze anos após a morte de Crick, Koch continua “ligado” no problema da consciência. Como pode a atividade dos neurônios individuais, e dos circuitos formado por milhares ou milhões deles, produzir essa sensação única e global de ser consciente, de estar vivo? Essa convicção de que somos diferentes de uma água-viva, de que somos uma entidade transcendente, capaz de compreender o mundo…e distinta de todas outras, permanece como uma linha de pesquisa crucial. É ciência básica, cujas diversas aplicações sempre surgem…após um profundo entendimento…como bem demonstra a história da ciência. Lembrando Koch: – “Consciência é tudo aquilo que os nossos sentidos experimentam”.
Há 2 campos científicos que aspiram competir com os poetas na interpretação do mundo: a ‘cosmologia’ e a ‘neurologia’. Tem toda a lógica. Uma boa equação sintetiza uma imensa quantidade de dados em um centímetro quadrado de papel — assim como um bom verso. Porém, para filósofos como Daniel Dennett, o ‘problema da consciência’ não tem solução, sendo impossível de ser abordado pela ciência…porque tais sentimentos são particulares, e não podem ser comparados, aprendidos ou medidos por ‘referências externas’…A ideia, no entanto, contradiz o ‘princípio geral’ colocado por Alcmeão de Crotona há 2.500 anos, de que…‘a mente equivale ao cérebro’. Se tudo o que acontece em nossa mente é produto de…ou melhor, é idêntico à atividade de certos circuitos neurais…a consciência não pode ser uma exceção, ou então retornaríamos ao “animismo irracional” de crer em uma alma separada do corpo, em ‘fantasmas’ e ‘ectoplasmas‘. Sendo assim, Crick e Koch decidiram se concentrar em procurar os “correlatos neurais da consciência” – os circuitos mínimos suficientes, para que se produza uma experiência consciente. – E a estratégia deu frutos.
Alcmeão de Crotona estava certo As áreas da consciência não são as que recebem os sinais diretos dos sentidos, mas aquelas que recebem, elaboram e interconectam essa informação primária…O que acontece nessas áreas primárias não é o que o sujeito vê…ou está consciente de ver.
Experimentos com modernas técnicas de imagem cerebral – do tipo…”ressonância magnética funcional” (fMRI) — apontam uma “zona quente posterior”…composta por circuitos de 3 lóbos (partes do córtex cerebral): ‘temporal’ (acima das orelhas), ‘parietal’ (acima do temporal) e ‘occipital’ (acima da nuca). O que foi uma surpresa, pois boa parte dos neurocientistas, tinha como certo encontrar a ‘consciência‘ nos “lobos frontais“, parte anterior do córtex cerebral — a que mais cresceu…ao longo da ‘evolução humana’… Mas não é assim.
A “consciência” está em áreas do cérebro compartilhadas com todos os mamíferos.
Quando essa zona quente posterior é artificialmente estimulada, experimentamos todo um leque de sensações e sentimentos. – Podemos ver luzes brilhantes…rostos e formas geométricas deformadas…sentir alucinações em qualquer modalidade sensorial, ou até mesmo vontade de mexer um braço (sem chegar a movê-lo)…Portanto, parece ser esse, o material com o qual nossa consciência é tecida… – Quando parte dessa zona quente é danificada, ou removida, perdem-se conteúdos da consciência. Fica assim, prejudicada a definição do movimento externo…ou da cor das coisas…ou de lembranças familiares.
A neurociência não apenas demonstrou a “hipótese de Alcmeão” – de que o cérebro é a sede da mente…como também encontrou o lugar exato em que reside a consciência. Já entender como essa porção do cérebro funciona é uma questão muito mais difícil. Mas, a mera localização da consciência na parte posterior do córtex cerebral, tem uma óbvia implicação. A marca peculiar da evolução humana é o crescimento explosivo do córtex frontal. – O córtex posterior, incluída a ‘zona quente‘, herdamos dos nossos ancestrais mamíferos e além. Muitos animais, portanto, devem ser conscientes…com uma mente, conforme Alcmeão. – Compreender o cérebro é, sem dúvida, um dos maiores desafios que a ciência atual enfrenta. – Trata-se do objeto mais complexo de que temos notícia no Universo, e a tarefa é verdadeiramente formidável. Mas, também, por outro lado, a recompensa será imensa. E pensando bem talvez não falte tanto para isso. (texto base) consulta: ‘Como nosso cérebro diferencia o real do imaginário?‘ Novos experimentos mostram que nosso cérebro distingue entre imagens mentais percebidas e imaginadas, verificando se elas cruzam um “limiar de realidade”. (“QuantaMagazine“ – mai/2023) *****************************(texto complementar)*******************************
Filosofia da Mente: Neurônios-espelho…e “representação mental” (mar/2010) É possível que em certas áreas do cérebro — não exista qualquer separação entre realizar uma ação e pensar sobre ela. Sendo que esta última opção seria apenas uma ação inibida.
Na década de 90 … descobriu-se que, certos neurônios específicos de áreas motoras do cérebro, eram capazes de responder…quando a ação executada era a mesma; percebida visualmente. Eles então ficaram conhecidos como: “neurônios-espelho” – base da nossa capacidade de imitar. Tais neurônios porém, podem também ser a base da nossa ‘compreensão’, e da “empatia”.
Neurônios-espelho são uma descoberta recente das neurociências (início dos anos 90), sendo já considerados como uma das grandes promessas da área, capazes de revolucionar a forma como o ‘cérebro’ é entendido… – principalmente no que diz respeito à um tipo de “compreensão imediata”, através de um…”mimetismo simulado” – sem a necessidade de passar por qualquer tipo de… “intermediação” — do… “controle central” — do cérebro.
É comum acreditar, não só por causa dos estudos científicos, mas também por nossas próprias intuições a respeito – que para a mente imitar, ou compreender uma ação, o cérebro deve utilizar áreas distintas. – A 1ª área deve perceber tal ação, a 2ª ser capaz de traduzir tal ação alheia, em uma ação do nosso próprio corpo; e a 3ª, de comandar e coordenar o corpo para realizar tal ação…Contudo, uma das grandes descobertas da neurociência — foi que, ao invés do que se pensava…o cérebro não usa áreas distintas, para certas percepções e ‘funções motoras‘. – Sabemos agora, que áreas até há pouco consideradas exclusivamente motoras, têm papel crucial no reconhecimento de ações vindas de outras partes. Ao invés de dividir funções, o cérebro faz tudo de uma vez só. Surpreendentemente, Darwin chegou perto de prever algo semelhante; quando disse:
“Não parece improvável que…quando pensamos muito numa determinada sensação, a mesma parte do sensório, ou uma bastante próxima, seja da mesma forma ativada, que quando temos de fato a sensação. – Se isso realmente acontece, mesmas células do cérebro serão estimuladas…ainda que talvez num menor grau, quando pensamos intensamente num gosto azedo…e, quando o sentimos de fato. E em ambos os casos, transmitirão forças nervosas para o ‘centro vasomotor‘, com os mesmos resultados”.
Existem também, os chamado “neurônios-espelho emocionais” que estariam na base de nossa capacidade de empatia…principalmente no que diz respeito às emoções primárias…como medo…dor…nojo e alegria. Foi descoberto…por exemplo, que a mesma área cerebral, que nos habilita a uma expressão facial de nojo, nos permite também identificar tal expressão, em outros seres vivos.
Por acaso, uma grande descoberta
A descoberta dos ‘neurônios-espelho‘ se deu por acaso no estudo da área motora, conhecida como… F5 — em cérebros de macacos. Foi observado que um mesmo neurônio individual disparava… – tanto quando um determinado – tipo de ação era realizada – quanto… – quando esta mesma ação… — ocasionalmente — era observada… — por este mesmo macaco.
Tais ações, é claro, não eram quaisquer ações, mas ações evolutivamente relevantes como, por exemplo: pegar algo com precisão… – segurar algo… – mover os lábios para pegar ou mastigar algo, etc. Já se sabia do fato de que tais áreas não diziam respeito a movimentos individuais, e sim ‘atos motores‘…ou seja, um dado neurônio disparava não quando um certo movimento (por exemplo, pegar algo com a mão esquerda) era executado…mas sim, quando era executado um determinado ato motor — como pegar algo… Não importava se este algo era pego com a mão esquerda, direita ou mesmo com a boca — o que importava, era a própria ação de pegar algo. – E se este mesmo movimento físico de pegar algo fosse realizado dentro de outra ação; como se coçar, por exemplo – tal neurônio não disparava.
Tais ações foram chamadas de ‘ações intransitivas‘, ou seja, não envolvem um objeto específico para o qual a ação é voltada…Tudo isso indicava que aquele neurônio da área motora F5 do cérebro dos macacos não dizia respeito à codificação de dado movimento muscular da mão. — O que ele codificava era algo de certa maneira mais abstrato … ele era ativado sempre que algo era agarrado de forma precisa…com a mão, ou com a boca.
Para surpresa dos pesquisadores…foi descoberto que este mesmo neurônio, que deveria ser exclusivamente motor, também era ativado quando o macaco observava exatamente esta mesma ação específica – realizada por outros animais. Ele era, então, um ‘neurônio visuomotor‘ – a mensagem mandada por tais neurônios era exatamente a mesma – não importando se a ação estava sendo realizada ou observada…Mais impressionante ainda, é que em certas ações que produzem sons – como quebrar a casca de amendoim – para comer sua noz, os neurônios-espelho podem ser ativados – até mesmo só com este som; deixando claro que para estes neurônios…o que importa é a própria ação, e não o modo como ela é realizada…ou percebida. De certo modo este neurônio é ativado não por um determinado ato, seja ele motor ou visual (ou, até sonoro), mas sim, pela compreensão do significado do ato. Isto indica que a função primordial dos ‘neurônios visuomotores’ em macacos está na capacidade de compreender, de forma imediata, a ação dos outros.
Empatia (enxergando os outros)
Nos seres humanos, como nos macacos, a visão dos atos realizados pelos outros produz uma imediata ativação de ‘áreas motoras’…incumbidas da organização e execução destes atos…sendo que — por meio dessa ativação, é possível decifrar o significado dos ‘eventos motores’, em termos de movimentos…com objetivos.
Tal entendimento é totalmente isento de qualquer mediação reflexiva … conceitual, e /ou linguística…uma vez que é baseado exclusivamente no vocabulário de atos…e, no ‘conhecimento motor’…do qual depende nossa capacidade de agir. Ademais, também como ocorre ao macaco…não é limitado a atos motores singulares, mas é extensível a toda uma cadeia de atos. – Com efeito…estes neurônios estariam envolvidos em uma capacidade motora de compreensão que seria imediata – ou melhor dizendo … sem a necessidade de…’análise conceitual’…da ação que está sendo observada, ou realizada. Simplesmente…observando uma ação — sem nenhum ato conceitual mais elaborado, um macaco poderia, por exemplo, reconhecer que outro macaco estava pegando algo para comer. Para Giacomo Rizzolatti e Corrado Sinigaglia, autores do livro: “Mirrors in the Brain“, esta seria a função primordial dos neurônios-espelho…em macacos ou humanos. Porém, tão interessante quanto a semelhança do nosso cérebro com o dos macacos, são as diferenças encontradas entre eles – no que diz respeito a estas áreas.
Existem algumas diferenças fundamentais entre neurônios-espelho dos macacos, e dos humanos…sendo de extrema relevância, por tratarem justamente do substrato neural que nos dá maior poder de aprendizagem, imitação e linguagem. Tal “poder superior” fica evidente, com o fato de que tais neurônios ocupam um maior espaço cortical nos humanos que nos macacos. Uma destas diferenças é que…ao contrário dos macacos — nos humanos… — os neurônios-espelho também respondem a atos intransitivos, isto é…movimentos que não são diretamente relacionados a nenhum objeto em particular – como…por exemplo, simplesmente mover o braço. Embora esta não pareça ser uma diferença importante…sua conexão com a linguagem, por expressões corporais que buscam passar um significado — permite ao ser humano uma gama maior de atos motores, entendidos e imitados pelos neurônios-espelho.
Outra diferença importante é a capacidade de reproduzir fielmente a duração no tempo de vários movimentos observados. Este fato permite ao cérebro não só imitar os movimentos, mas imitá-los mais fielmente – respeitando a duração de cada movimento – assim como a sua conexão temporal. Imitar um ato respeitando seu tempo, é importante também para a nossa capacidade linguística – pois esta, ao se tornar mais complexa…exige cada vez mais um ritmo exato para ser compreendida…havendo significado nesse próprio ritmo. – Uma mesma expressão – conforme o ritmo e a entonação – pode ter significados bem distintos.
Neurônios-espelho de certo modo imitam imediatamente o que outra pessoa faz; imitação esta que é inibida por outra parte do cérebro, mas que quando esta área falha…surge prontamente. Esta ‘compulsão’ de imitar que o cérebro tem, parece incontinentemente ligada à nossa capacidade de apreender e de entender. — Tal capacidade pode indicar que o que chamamos de “compreender”, seja entendida apenas como “fazer internamente”…ou “imitar internamente”. — É possível que algumas das nossas funções cerebrais, parte do que normalmente chamamos de “mente”, possam ser entendidas através da ativação desses ‘neurônios-espelho’.
Paridade na Comunicação Há uma hipótese…relativa ao surgimento da linguagem humana – defendendo que esta surgiu de gestos realizados principalmente com os braços…e também expressões faciais. Partindo desse princípio – é bem possível que os “neurônios-espelho” tenham um papel fundamental em tal origem – ajudando então a resolver uma série de questões sobre ela.
Grande parte dos “neurônios-espelho” diz respeito a atos relacionados com alimentação; tais movimentos se assemelham bastante aos movimentos empregados na ‘comunicação verbal‘. – Os movimentos necessários para morder e para falar…são muito semelhantes, mesmo assim os resultados são díspares entre espécies…Neurônios-espelho são capazes de compreender a mordida do cachorro, mas incapazes de compreender movimentos do latido. – Já na observação dos movimentos humanos, houve resposta eficaz, a ambos os movimentos. Tais resultados indicam…nitidamente, que certos neurônios não disparam apenas para movimentos labiais — sendo também seletivamente direcionados para atos comunicativos. — Teríamos então…neurônios-espelho “exclusivos” para a comunicação.
Algumas pesquisas também indicam uma ligação direta entre os gestos dos braços…e o movimento da boca. – De fato, na busca desse processo, podemos encontrar, ao menos parte da origem da linguagem em nossa habilidade de gesticular. Há ainda uma ligação forte entre a comunicação oral e os gestos…Mesmo após milênios, nossa capacidade de gesticular, e modificar o tom e ritmo da voz…ainda é de extrema importância para uma comunicação efetiva. Note-se que o próprio modo como tais neurônios funcionam … já nos dá uma excelente indicação da sua importância à comunicação — pois para um ato comunicativo ter sucesso deve haver uma espécie de ‘paridade’, onde só podemos dizer que algo foi devidamente comunicado… – se a mensagem que foi recebida é de alguma forma similar (ou melhor … igual) à enviada. Sem isso, concluímos que a comunicação falhou. Mas, para que uma tal comunicação ocorra, parece ser necessário que a mesma ação seja compreendida de uma forma razoavelmente idêntica, em cérebros diferentes.
Uma última observação que aproxima neurônios-espelho do surgimento da linguagem pode ser tirada da…“neuroantropologia” – o estudo das estruturas cerebrais de fósseis humanos – mesmo que tais estudos não sejam muito precisos…pois devem se realizar, não com cérebros, mas com caixas cranianas fossilizadas. Mesmo assim, há indicações de que o desenvolvimento do sistema de ‘neurônios-espelho’…foi umas das mudanças cerebrais relevantes para a evolução dos humanos… — Segundo Rizzolatti e Sinigaglia:
“Análises realizadas em traços de circunvoluções nas cavidades de um grande número de crânios de Homo habilis de quase 2 milhões de anos de idade mostram que regiões frontais e têmporo-parietais desenvolveram-se, fortemente, naquele estágio evolutivo. Isso sugere que a transição do australopitecos para o Homo habilis coincidiu com um ‘sistema espelho’ mais diferenciado, o qual forneceu o substrato neural à formação da ‘cultura da imitação’…que, para Merlin Donald, chegou ao ápice com o Homo erectus caminhando na Terra…entre 1,5 milhões e 300 mil anos atrás. – Também é plausível supor que os neurônios-espelho evoluíram ainda mais, durante a transição do ‘Homo erectus’ para o ‘Homo sapiens’, ocorrida há 250 mil anos – e responde pela expansão, tanto dos ‘atos motores’ – quanto da habilidade…’recém adquirida’…de se comunicar intencionalmente por meio de ‘gestos manuais‘ — que gradualmente vão se tornando cada vez mais articulados…e frequentemente, eram acompanhados por vocalizações”.
O behaviorismo interno (“anti-behaviorismo”) “É inquestionável que existe no homem uma forte tendência para a imitação, independente da vontade consciente. É o chamado de ‘sinal de eco’ (Darwin)
As áreas hoje correspondentes à linguagem se situam na região temporal do hemisfério esquerdo, causando certa assimetria do crânio … que já pode ser encontrada no “Homo habilis”. – Por esse motivo, cerca de 2 milhões de anos atrás é também a data estimada para o início de ‘pressões seletivas para uma vocalização aumentada‘, que ocasionaram o surgimento do que hoje chamamos “linguagem”. Vemos então…e provavelmente não por coincidência…nosso principal instrumento para a transmissão de cultura, surgindo praticamente junto, ao aumento substancial em nosso sistema de “neurônios-espelho“.
Neurônios-espelho estariam hoje, na base da nossa linguagem…compreensão, e habilidade de adquirir cultura – por meio da imitação… – e outras formas de ‘aprendizagem social’. Todavia, o mais relevante é a maneira inusitada de pensar o…’funcionamento cerebral’ que surge com esta teoria…Os “neurônios-espelho” nos mostram que o processo envolvido na imitação é muito provavelmente bem diferente dos processos que intuitivamente acreditamos estarem envolvidos. – Não seria preciso o cérebro primeiro perceber, depois traduzir para nosso corpo – e por fim coordenar nossa ação. Ele parece fazer isso de uma maneira mais simples…bem mais econômica.
Não são necessárias áreas distintas do cérebro envolvidas em complexas transformações. O mesmo neurônio que percebe, é capaz de fazer aquilo que percebe…e vice-versa. A separação entre neurônio visual e neurônio motor não é necessária. Para tal neurônio perceber é fazer, e vice-versa.
Talvez o mais interessante de tudo seja a capacidade que esses neurônios têm para compreender determinada ação. Podemos conceber um neurônio para ‘pegar algo’, não importa como este algo é pego. Além disso, ele não é disparado com o simples movimento intransitivo – que copia todos movimentos musculares, mas não pega nada. – Ao observar algo sendo pego…o neurônio é capaz de entender este evento motor em termos de objetivos, sem qualquer mediação reflexiva, conceitual, e/ou linguística – uma vez que é baseado exclusivamente no vocabulário de atos…e no conhecimento motor – do qual depende nossa capacidade de agir…Compreender e fazer, nesse caso…são muito mais próximos do que intuitivamente acreditamos.
De fato, para que uma pessoa, ou mesmo um macaco…compreenda o ato de “pegar algo”, não parece ser preciso que esta ação seja antes observada ‘passivamente’ para que depois este ‘dado cerebral’ seja levado para outra área “onde a compreensão ocorre”. Existe uma espécie de “compreensão visuomotora imediata”. Isto tudo pode parecer ‘contraintuitivo’, pois não precisa da criação de complexas representações internas…ou ‘centros decisórios autônomos’. Com efeito, a área inibidora não é um “centro decisório”…pois não decide se queremos ou não fazer certo movimento; e só ao decidir fazer o movimento é que envia o sinal às áreas motoras, que aguardavam passivamente. – O centro inibitório, na verdade, apenas reprime um movimento – que já está em vias de ser realizado…automaticamente.
A relação é justamente a inversa: um centro decisório serve para ativar ou não áreas motoras; o centro inibitório serve para inibir ou não estas áreas.
Historicamente diferenciamos entre aquilo que o corpo faz, e o que a mente faz. Andar e pensar em andar seriam 2 coisas completamente diferentes…Mas os ‘neurônios-espelho’ indicam que pode existir um novo modo de tratar este problema. Pensar em andar pode ser muito mais parecido com andar do que a psicologia popular admite. – Talvez… para pelo menos partes do nosso cérebro – ‘andar’…e ‘pensar em andar’, sejam exatamente a mesma coisa. E, mesmo não podendo deduzir isso desses neurônios-espelho…podemos ver que eles trazem uma nova maneira de pensar…sobre a mente…e seu funcionamento.
Representações … Primitivas…Evolutivas…Contraintuitivas ‘Pensar’ talvez seja apenas uma consequência de ‘inibir o movimento’.
O cérebro pode funcionar de um modo bem mais econômico e contraintuitivo, do que a psicologia tradicional é capaz de conceber. A diferença entre realizar um movimento físico – e pensar neste movimento pode ser apenas que no 2º caso…uma ‘área inibitória‘ do cérebro está agindo… O cérebro pode precisar de mais esforço…’para não fazer algo’, do que fazer alguma coisa. — E, antes desta área existir – a própria ideia de ‘pensamento’ poderia não ter sentido.
Segundo a noção mais intuitiva e simples de…“representação” – o mundo precisa ser representado internamente na mente para que possamos nos relacionar com ele. Nossa relação com o mundo externo portanto é indireta…mediada pela representação interna que fazemos dele. O mundo externo, por sua vez, serve como base para a construção de uma representação interna, ou imagem mental. – Se há uma representação interna que não corresponde a nada no mundo temos uma… “alucinação”. De imediato, podemos perceber não ser esta uma relação das mais econômicas…somos ‘seres do mundo’, mas não nos relacionamos com o mundo que vivemos, sem uma representação interna dele.
Nessa noção popular, antes de fazer ou falar algo, devemos pensar o que vamos fazer, ou falar; mesmo que inconscientemente isto tenha que ser decidido dentro do cérebro, para depois o comando de execução ir às áreas motoras…ou ser inibido pelas áreas inibidoras.
Este tipo de ‘representacionalismo’ é bastante comum; sendo frequente tanto em teorias dualistas, como em teorias materialistas também. Boa parte das teorias neurocientíficas, por exemplo…admitem que o mundo externo é de algum modo representado no cérebro, e que áreas motoras são de certa forma passivas, e comandadas por uma área de decisão, que é autônoma em relação a elas. — ‘Neurônios-espelho‘ servem para mostrar que o “funcionamento do cérebro“ exige uma revisão dessas intuições sobre as nossas mentes. O esperado é que tal explicação não seja intuitiva…pois é preciso tratar o que está sendo analisado a partir de termos diversos dele mesmo…Uma explicação das nossas intuições deve ser ‘contraintuitiva’, pois intuição é aquilo que achamos não precisar de explicação.
Não há motivos para achar que estas intuições mais primitivas, necessariamente estejam certas. — Elas são apenas mais adaptativas para o ambiente — onde…e quando surgiram. As intuições sobre o funcionamento das nossas mentes … e das mentes dos outros, nessa época dificilmente demandavam explicação mais aprofundada, só precisavam ser boas o suficiente para permitir nossa sobrevivência e reprodução diferencial. – Não há motivos para que explicações mais primitivas sejam ‘a verdade sobre a mente‘, muito menos que nossas intuições sobre o seu funcionamento também sejam verdadeiras. — Estas, não só podem, como devem estar erradas…pois quando surgiram, as necessidades eram outras.
A existência dessas intuições primitivas, provavelmente têm origem evolutiva, e portanto, devem estar adaptadas a um ambiente local – ou em alguma época foram a ele adaptadas. No que diz respeito à física e matemática – o ambiente local era newtoniano, e euclidiano. Mas não devemos esperar adaptações ao ambiente einsteiniano ou quântico, por exemplo. Não é sem razão – que essas 2 novas fronteiras da física nos pareçam tão contraintuitivas: em velocidades próximas à da luz o tempo passa mais devagar, objetos se encurtam, e sua massa aumenta – já em escalas quânticas…partículas se encontram ligadas e sem estados definidos, etc. – O mesmo, aliás, se dá com a biologia – onde o ‘pensamento populacional’ trazido por Darwin vai contra nossas intuições mais íntimas sobre separação das espécies.
A complementaridade Mente/Cérebro Um dos argumentos mais contundentes do dualismo é o nosso acesso imediato à mente; mas o cérebro não precisa funcionar…da forma como nós intuitivamente achamos que a mente funciona… – Na verdade, o oposto parece mais razoável — é mais provável que o cérebro funcione segundo regras, que para nós … seriam consideradas ‘contraintuitivas’.
Sabemos … desde meados do século 20, que não há como discutir sobre a mente sem incluir o cérebro na conversa…Mas talvez…por dificuldades no desenvolver das “neurociências”, a profundidade desta relação … ficou meio obscurecida.
A descoberta do “neurônio–espelho” promete revolucionar a “neurociência“, em especial, na compreensão … sobre o funcionamento de nossa própria mente em relação ao procedimento de como o nosso cérebro…seu substrato, funciona.
A questão já foi tratada no clássico “Consciousness explained” (1991)…do filósofo Daniel Dennett, onde, em poucas palavras, ele tenta mostrar que a mente não tem, nem precisa de qualquer espécie de…”significador central“…“onde tudo se une…faz sentido”. Os neurônios-espelho surgem então, como uma das evidências mais contundentes disso. O livro é um excelente exemplo de como nosso conhecimento sobre o funcionamento do cérebro pode servir de base para redesenhar o modo como nossa mente funciona. – Se a mente é “o modo como o cérebro funciona” então para entender a mente é essencial que entendamos o funcionamento do cérebro. – O próprio David Chalmers…com suas 3 leis psicofísicas, mostra que ambos estão intimamente ligados. O modo como “materialistas cartesianos“ abordam a noção de “representacionalismo” nas neurociências…é mais um exemplo de como ambas noções se confundem… — Procura-se no cérebro o local para o que acreditamos existir — com base em nossa intuição sobre o funcionamento da mente.
Não há, portanto, motivos para acreditar que o nosso cérebro deva necessariamente trabalhar da forma como intuitivamente acreditamos que trabalha – e os neurônios-espelho surgem como evidência de que o seu funcionamento é bem diferente do que intuitivamente acreditamos. O mesmo se dá com a noção de ‘representação mental’. Por mais intuitiva que esta noção seja, necessariamente, não significa que o cérebro precise criar uma imagem do mundo para poder atuar nele, e os neurônios-espelho, nos mostram que o cérebro consegue atuar de maneira mais direta; mais ‘imediata’. Isso, porém, não significa que o cérebro não precise processar os inputs que recebe, apenas, que tal processamento não precisa se dar na forma de uma “representação interna do mundo exterior“, para que então um controle central decida o que fazer.
A relação do cérebro com o mundo pode ser muito mais imediata do que as teorias do representacionalismo nos fizeram acreditar. Uma nova perspectiva das neurociências nos indica um novo horizonte na filosofia da mente…A separação entre pensamento e comportamento, realizada nas críticas aos behavioristas pode ser revista dentro desta nova perspectiva. Não é o caso de se propor uma retomada do ‘behaviorismo’; apenas de certas intuições fundamentais – especialmente a que liga mente e comportamento. Com o desenvolvimento da pesquisa sobre “neurônios-espelho” abre-se a perspectiva de que o pensamento é uma ação inibida. Uma espécie de ‘behaviorismo negativo’ ou “anti-behaviorismo” surge…Ao contrário de negar a mente…ou recusá-la – dentro do ‘processo explicativo comportamental’, ela seria retomada: a mente existe, mas como uma forma de “comportamento interno inibido” (Pensar seria não fazer). (texto base) “Neurônios-espelho e o representacionalismo” ## Gustavo Leal-Toledo ## (PUC/RJ)
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O primeiro dos textos sobre fenomenologia foi publicado na revista Filosofia, ed. 117, p. 64-71, 2015.
Autor : Daniel Borgoni
Favor dar os créditos ao autor.
O texto não trata da fenomenologia de Husserl, como está indicado.
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Perdão, o link no final do texto estava desatualizado, espero ter corrigido a falha (técnica)
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